Novidades da Ciência

Transitioning to chronic temporomandibular disorder pain: A combination of patient vulnerabilities and iatrogenesis

Resenha escrita por: Franklin Teixeira e Lorena Pontes

O tratamento do paciente refratário, aquele que não é responsivo aos tratamentos disponíveis no manejo da dor, é um enorme desafio clínico. Esses indivíduos tornam-se pacientes com dor crônica, necessitando de um tratamento muito mais desafiador e complexo e com desfecho incerto1.  Dentre os pacientes com disfunção temporomandibular (DTM) e sintomatologia, cerca de 80% parecem responder positivamente aos tratamentos conservadores com abordagem biopsicossocial; entretanto, o processo de prolongamento temporal na melhoria da dor traz dificuldade no manejo das DTMs1.

A combinação dos fatores de vulnerabilidade (anatômica, genética e/ou psicossocial) de um paciente com DTM é fundamental para o entendimento sobre o desenvolvimento de uma ou mais DTMs em alguns indivíduos. Ainda, esses fatores podem determinar quem vai desenvolver uma versão crônica da condição e tanto a prevenção quanto o manejo clínico de casos de DTM crônica continuam sendo desafios significativos1

A falha na resposta a um tratamento em saúde pode ser devida a vários fatores. O não cumprimento pelo paciente das instruções profissionais pode ter efeitos significativos no resultado do tratamento1. Um erro comum é a falta de conhecimento pelo paciente sobre o que deveria ser feito. A falha em explicar o problema adequadamente e instruir o paciente sobre o relevante cuidado em casa pode levar o paciente a pouca ou nenhuma melhora. As condições psicológicas têm forte impacto do processo da cronificação da dor. Portanto, o controle da hipervigilância, ansiedade e ouros fatores que podem contribuir para o aumento da tensão muscular e sobrecarga articular torna-se crítico, e demanda participação ativa do indivíduo1.

No artigo, também se menciona a diferença entre dor aguda e dor crônica: “Conceitua-se a dor aguda como a transmissão de impulsos nociceptivos do local da lesão ou da doença para o sistema nervoso central (CNS) e esta situação funciona como um sistema de alerta para evitar novos danos teciduais e, portanto, é biologicamente adaptável1. “A dor crônica, por outro lado, não depende necessariamente de nenhum estímulo nociceptivo, por isso é autossustentável mesmo na ausência da lesão ou doença original, se houver, e, portanto, não tem propósito adaptativo biológico e possui características próprias como sensibilização periférica e central”1

O entendimento da dor como uma condição biopsicossocial torna, portanto, essencial a avaliação psicológica do paciente que sofre de cronificação. A complexa interação entre os aspectos biopsicossociais mostra-se como o verdadeiro desafio no entendimento da transição entre uma condição aguda e transitória e condições crônicas de dor orofacial1. Um importante tema abordado no artigo é a relutância de alguns pacientes em aderir a um tratamento inicial mais conservador no intuito de controlar fatores predisponentes/ perpetuadores da condição dolorosa. Estes fatores podem ser considerados como tabus pelo paciente, sobretudo porque, muitas vezes, abordam situações pessoais desconfortáveis ou traumáticas, levando à não aderência ao tratamento1

Seguindo esse raciocínio, a iatrogenia profissional é outro aspecto relevante abordado, podendo acontecer através de um diagnóstico incorreto, intervenção incorreta ou negligência profissional. A relação profissional/paciente é de extrema importância para o sucesso do tratamento planejado. A falta de respeito às orientações profissionais (restrição de movimentos, relaxamento, etc), pode causar diminuição da chance de melhora e o profissional pode ser injustamente culpado1. Essa quebra na relação muitas vezes leva o paciente a busca de informações em outras fontes, como a internet de uma forma leiga, em sites não apropriados para uma busca científica de qualidade como redes sociais e google, por exemplo. Como resultado, alguns indivíduos não querem se engajar no autocuidado ou não aceitam soluções baseadas em tratamentos conservadores. Muitas vezes, tornam-se relutantes em tomar medicamentos, buscando um tratamento em que o profissional realize uma intervenção e “resolva o problema”. Ocorre então uma busca por terapias intervencionistas, muitas vezes invasivas e irreversíveis como escolha inicial1.

Os autores reiteram que o diagnóstico incorreto, ponto crítico no manejo das DTMs, pode levar a duas principais situações de conduta: primeiro, o paciente ser sujeitado a uma série de tratamentos ineficazes para a sua condição e que, muitas vezes, podem ser danosos quando irreversíveis. Outra grande fonte de potenciais desfechos ruins pode ser o viés ideológico do profissional, levando a danos iatrogênicos. Um exemplo é a utilização ainda nos dias de hoje de tratamentos buscando reposicionamento condilar e/ou desarmonias oclusais no tratamento de DTMs, mesmo depois desses conceitos terem sido refutados ou considerados sem evidências que os suportam1.

O artigo tem grande relevância e aplicabilidade clínica a partir do momento em que elucida melhor a etiopatogenia das DTMs e busca esclarecer por que alguns indivíduos progridem para se tornarem pacientes crônicos. A conclusão reforça o conceito de que a combinação de vulnerabilidade individual do paciente e um possível dano iatrogênico pode justificar o desenvolvimento e cronificação das DTMs1. Traz-se ainda a reflexão: O que podemos fazer para prevenir ou atenuar o desenvolvimento de DTMs? Inicialmente, fica a percepção de que o clínico atuante em DTM e dor orofacial têm o dever de tentar controlar a sintomatologia dolorosa o mais precocemente possível, diminuindo a possibilidade de cronificação. Infelizmente, temos pouco ou nenhum controle sobre três principais fatores de vulnerabilidade descritos nesse texto: anatomia, histórico psicossocial e genética. Porém, a discussão sobre os fatores de risco apontados no estudo aumenta o conhecimento dos clínicos para o manejo das DTMs, minimizando o risco de desenvolver uma condição crônica. O correto diagnóstico é base de qualquer terapêutica em saúde. A partir desta premissa, o estudo traz uma compreensão clara do manejo terapêutico, abordando fatores cruciais que podem influenciar no controle das DTMs e consequentemente levando a melhora da qualidade de vida dos pacientes. Uma abordagem holística, alicerçada em uma visão biopsicossocial, evitando-se iatrogenias e trazendo o “paciente” para a função de “agente” do seu próprio tratamento mostra-se chave para o sucesso no controle e tratamento das DTMs. 

REFERÊNCIA:

1. Greene CS, Manfredini D. Transitioning to chronic temporomandibular disorder pain: A combination of patient vulnerabilities and iatrogenesis. J Oral Rehabil. 2021 Sep;48(9):1077-1088. doi: 10.1111/joor.13180. Epub 2021 Jun 3. PMID: 33966303; PMCID: PMC8453911.
Captura de Tela 2023-01-31 às 16.16.15.png

Franklin Teixeira e Lorena Pontes

Franklin Teixeira de Salles Neto
  • Graduação em Odontologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
  • Especialização em Ortodontia e Ortopedia Facial; Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial e Implantodontia
  • Mestre em Patologia pela Faculdade de Medicina da UFMG com linha de pesquisa em dor orofacial
  • Doutorando em Neurociências (UFMG)
  • Pesquisador do Grupo de Estudo e Pesquisa em Dor Orofacial da UFMG (EPDOF/UFMG).

E-mail: franklintsneto@gmail.com
Instagram: @drfranklinsalles

Lorena Pontes Lopes do Amaral
  • Graduação em Odontologia pela Universidade de Itaúna (FOUI), Itaúna, MG
  • Pós-graduanda em DTM e Dor orofacial (FACSETE), Belo Horizonte, MG. 

E-mail: dra.lorenamaral@gmail.com
Instagram: @lopontes