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Medications and addictive substances potentially inducing or attenuating sleep bruxism and/or awake bruxism

Resenha escrita por: Ressala Castro Souza e Carolina Morais Calil Gandara

Bruxismo é uma atividade muscular repetitiva da mandíbula caracterizada pelo apertar ou ranger dos dentes e/ou por travar ou impulsionar a mandíbula. O bruxismo apresenta duas manifestações circadianas distintas: pode ocorrer durante o sono – bruxismo do sono, ou durante a vigília – bruxismo de vigília.

Em 2017, um consenso internacional estabeleceu definições distintas para essas duas manifestações: bruxismo do sono seria uma atividade muscular mastigatória rítmica (fásica) ou não rítmica (tônica), não sendo considerado um distúrbio do sono ou do movimento em indivíduos saudáveis1. Por outro lado, o bruxismo de vigília é caracterizado pela atividade muscular mastigatória que ocorre enquanto o indivíduo está acordado, caracterizada por contato dentário repetitivo ou sustentado e/ou travamento ou impulsionamento da mandíbula. Evidências recentes sugerem que fatores de risco psicológicos, biológicos e exógenos têm maior envolvimento que fatores morfológicos em ambas as atividades musculares. 

O objetivo do estudo foi apresentar uma revisão de literatura sobre medicamentos e substâncias potencialmente indutoras ou agravantes, bem como potencialmente atenuantes de ambas as formas de bruxismo. Para isso, pesquisas de literatura foram estabelecidas no PubMed. Foram definidos três tipos de bruxismo: “bruxismo do sono”, “bruxismo da vigília” e “bruxismo não especificado”. 

Os autores destacam como classes de medicamentos potencialmente indutoras de bruxismo: anticonvulsivantes, fenetilaminas (anfetaminas e metilfenidato) e inibidores seletivos da recaptação da serotonina, sendo fluoxetina e sertralina os mais comumente implicados. De maneira específica, os seguintes fármacos foram mencionados como potencialmente indutores de bruxismo: aripiprazol – antipsicótico atípico; atomoxetina – inibidor da recaptação da noradrenalina; duloxetina – inibidor da recaptação da serotonina e da noradrenalina; flecainida – antiarrítmico; cetotifeno – anti histamínico; metadona – opioide usado no tratamento de dor crônica; venlafaxina, assim como a duloxetina, trata-se de um inibidor da recaptação da serotonina e da noradrenalina.

Ademais, os autores listaram substâncias aditivas potencialmente indutoras de bruxismo. O  álcool teria provável associação com bruxismo do sono; a  heroína, cujo efeito colateral de bruxismo  é bem conhecido entre usuários e seus cuidadores,  não  tem esse fato  muito bem documentado na literatura científica. A metanfetamina, relacionada com as anfetaminas,  tem ação diretamente neurotóxica e seu uso está associado ao bruxismo não especificado. O metilenedioximetanfetamina – conhecido como MDMA ou ecstasy – é  indutor da liberação de serotonina, o que pode resultar em atividade dopaminérgica reduzida no córtex pré-frontal, contribuindo para o desenvolvimento de bruxismo; além disso, a liberação de serotonina e de noradrenalina induzida por MDMA pode superestimular os neurônios motores trigeminais que controlam os movimentos da mandíbula e os reflexos dos músculos masseteres. A nicotina teve seu uso associado a indução de bruxismo não especificado. As piperazinas, compostos químicos sintéticos usados de maneira recreacional devido às suas propriedades psicoativas, apresentaram em um artigo toxicidade simpaticomimética, incluindo bruxismo de vigília como efeito colateral.

Dentre os medicamentos potencialmente atenuadores de bruxismo, destacam-se os antidepressivos, como a amitriptilina e a trazodona; os ansiolíticos como a buspirona e o clonazepam; antipsicóticos como a quetiapina e a clozapina; anti-hipertensivos como clonidina e propranolol; gabapentinoides como a gabapentina; e ainda a hidroxizina, a toxina botulínica e os agonistas dopaminérgicos. 

A amitriptilina é antidepressivo tricíclico utilizado para tratar bruxismo do sono e bruxismo induzido pelo uso de duloxetina. Seu uso requer atenção aos efeitos colaterais comuns como tonturas, constipação intestinal, ganho de peso, xerostomia, hipossalivação e hipotensão ortostática. A trazodona, por sua vez, é um fármaco inibidor da recaptação e antagonista da serotonina, e parece atenuar o bruxismo do sono induzido por inibidor seletivo da recaptação de serotonina. Efeitos colaterais comuns são tontura, dor de cabeça, visão turva, ansiedade, redução da libido, xerostomia e hipossalivação.

A buspirona é um ansiolítico que parece reduzir o bruxismo do sono ou da vigília, farmacologicamente induzido ou não. Efeitos colaterais comuns são tonturas, dor de cabeça, náuseas e ansiedade. O clonazepam é um ansiolítico da classe dos benzodiazepínicos com propriedades anticonvulsivantes e que reduz o bruxismo do sono; tem potencial para causar dependência, sendo seu uso a longo prazo contraindicado.

A quetiapina, antipsicótico atípico usado no tratamento de esquizofrenia, transtorno bipolar e depressivo, parece atenuar o bruxismo não especificado causado por uso de inibidor seletivo da recaptação de serotonina. Efeitos colaterais relatados com relativa frequência são tontura, constipação, náuseas, vômitos, ganho de peso e aumento do apetite. A clozapina também é utilizada para tratamento de esquizofrenia, e parece reduzir o bruxismo de vigília1. Efeitos colaterais comuns: ganho de peso, visão turva, constipação, xerostomia, taquicardia, hipossalivação e sialorreia.

A clonidina é um fármaco anti-hipertensivo usado para tratar dor crônica, cefaleia, TDAH e outros transtornos psiquiátricos; parece atenuar o bruxismo do sono. Efeitos colaterais comuns: tontura, fadiga, náuseas, constipação, sonolência, xeroftalmia, xerostomia, hipossalivação. O propranolol é um anti-hipertensivo da classe dos betabloqueadores utilizado para tratamento de hipertensão arterial, arritmias e profilaxia de migrânea. Em um estudo, foi observado que o uso do propranolol reduz em 72% a atividade muscular massetérica noturna. Efeitos colaterais: bradicardia, diarreia, náusea, fadiga, xeroftalmia.

A gabapentina é um anticonvulsivante gabapentinoide capaz de atenuar o bruxismo do sono, seja farmacologicamente induzido ou não. Efeitos colaterais: sonolência, edema, náuseas, vômitos, fadiga, ataxia, tremores. A hidroxizina é uma medicação anti-histamínica que parece atenuar bruxismo do sono não induzido farmacologicamente1.oxina botulínica é uma neurotoxina que causa o bloqueio da liberação de acetilcolina nas placas motoras, produzindo relaxamento muscular químico; é usada para tratar bruxismo não especificado em pacientes com dor miofascial em musculatura temporomandibular. É importante ressaltar um possível efeito colateral de seu uso – a osteopenia na mandíbula.

A levodopa e os agonistas dopaminérgicos, como a bromocriptina, utilizados para reduzir os sintomas motores da doença de Parkinson, mostraram redução do bruxismo do sono em estudos de polissonografia. Já o agonista dopaminérgico pramipexol não mostrou esse efeito.

Após descrever as ações de diversos grupos de fármacos, os autores relatam que os dados baseados em evidências não são suficientes para tirar conclusões definitivas sobre medicamentos e substâncias aditivas que induzem ou agravam o bruxismo do sono e/ou o bruxismo de vigília, nem quanto às medicações atenuantes dos mesmos, seja devido à quantidade insuficiente de relatos de caso, seja em função da dificuldade de se produzir ensaios clínicos robustos por questões éticas relacionadas ao uso de substâncias aditivas.  

Uma vez que o objetivo do estudo foi fornecer informações sobre medicamentos moduladores das duas formas de bruxismo, é um estudo relevante por alertar os prescritores quanto aos possíveis efeitos colaterais dos fármacos citados, abrindo perspectiva para novos estudos mais bem delineados. Por outro lado, alguns dos fármacos mencionados e seus efeitos foram respaldados por poucos ou apenas um relato de caso. Isso inviabiliza a generalização das conclusões e reforça a necessidade de novos estudos semelhantes.

REFERÊNCIA:

1.de Baat C, Verhoeff M, Ahlberg J, Manfredini D, Winocur E, Zweers P, Rozema F, Vissink A, Lobbezoo F. Medications and addictive substances potentially inducing or attenuating sleep bruxism and/or awake bruxism. J Oral Rehabil. 2021 Mar;48(3):343-354. doi: 10.1111/joor.13061. Epub 2020 Aug 10. PMID: 32716523; PMCID: PMC7984358.
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Ressala Castro Souza e Carolina Morais Calil Gandara

Ressala Castro Souza
  • Graduação em Medicina pela UFMG.
  • Residência Médica em Anestesiologia pelo HC/UFMG.
  • Área de atuação em Dor pela AMB/SBA. 
  • Médica anestesiologista, médica da dor e vice-coordenadora da Clínica de Dor do Hospital das Clínicas da UFMG.
  • Médica da dor e anestesiologista na Clind’OR
  • Pós graduada em Cuidados Paliativos pelo Hospital Albert Einstein. 

Email: ressala@ufmg.br

Instagram: @dor.draressala

Carolina Morais Calil Gandara
  • Graduanda de Odontologia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
  • Aluna de Iniciação Científica em Dor Orofacial e DTM, orientada pela Profª Camila Megale de Almeida-Leite (ICB/UFMG)

Email: carolgandara@gmail.com