Entrevista

Prof. Dr. Eduardo Januzzi

1 - Dr. Eduardo, a viscossuplementação tem sido cada vez mais utilizada para o controle de alterações articulares. Sabemos que o sr. foi um dos precursores da utilização desse procedimento na Articulação Temporomandibular (ATM). Poderia nos esclarecer o que é a viscossuplementação? E quando e como surgiu seu interesse por essa técnica? 

A viscossuplementação da ATM é uma técnica minimamente invasiva, que consiste na injeção intra-articular de hialuronato de sódio, tanto no espaço articular superior, quanto no espaço articular inferior ou, ainda, em ambos os compartimentos. Tem por objetivo eliminar ou diminuir a dor, proporcionar ganho funcional articular, promover melhora qualitativa e quantitativa do líquido sinovial e contribuir com o reparo estrutural, resgatando as propriedades do ambiente articular. 

O meu primeiro contato com esse procedimento foi na década de noventa, a partir de uma conversa informal com um amigo e médico ortopedista. Na ocasião, ele já realizava infiltrações em joelho utilizando poliruemim, único produto disponível naquele momento. A partir daí, fui em busca de estudos sobre o tema e de troca de experiências com profissionais que já utilizavam a técnica. Assim, iniciei a viscossuplementação na ATM em minha prática clínica para os casos de deslocamento do disco sem redução (DDSR) com limitação de abertura bucal.  


2- Sabemos que a ATM pode ser acometida por alterações degenerativas, comprometimento da biomecânica e condições dolorosas associadas. Quais são as indicações clínicas de utilização da viscossuplementação para a ATM? Existe alguma situação na qual ela está contra-indicada? 

A prática clinica e a literatura científica demonstram bons resultados e segurança no tratamento de osteoartrite/osteoartrose, deslocamento do disco com redução (DDCR) e DDSR, embora, nesses ultimos casos, não seja pretensão da intervenção proporcionar o reposicionamento do disco articular. Conforme mencionado na resposta anterior, a importância da viscossuplementação no manejo e tratamento dessas condições  concentra-se no controle da dor e no resgate funcional, além, é claro, da melhora da qualidade de vida do paciente. 

As principais contraindicações são  quadros de infecção e abscesso, presença de doenças reumáticas, adesividades, alergia ao produto e, por precaução, evitamos realizar a viscossuplementação durante a gestação.

3 - Dr. Eduardo, o sr fez parte da publicação de um artigo que propõe um protocolo sequencial de infiltrações de hialuronato de sódio de diferentes pesos moleculares para controle das DTMs articulares (desarranjos internos, incluindo sintomatologia dolorosa). Porque a alternância de pesos moleculares? Qual o intervalo ideal entre as infiltrações? Como definir o número de infiltrações que o paciente necessita? E o que podemos esperar desta sequência terapêutica? 

Este trabalho foi derivado da dissertação de mestrado da Roberta Fonseca, orientada pela Profa. Camila Megale, em que tive a honra de participar como co-orientador. Nele, avaliamos vários desfechos clínicos da viscossuplementação empregando, de forma alternada, produtos com diferentes pesos moleculares. Essa iniciativa objetivou explorar os principais beneficios proporcionados  por essas diferentes classes de produtos. Por esse motivo, optamos por utilizar um produto de baixo peso molecular (500 a 730 kDa), mais apto às interações moleculares, como a viscoindução, e um produto de peso molecular mais elevado (1000 a 2000 kDa), com o qual o resgate das características reológicas e biomecânicas do líquido sinovial parece ser mais prontamente estabelecido. Embora a literatura descreva ciclos de 1 a 5 aplicações, o protocolo específico, assim como  o intervalo entre os ciclos, demandam estudos dedicados a esse desfecho.

Nós optamos pelo intervalo mensal e quatro aplicações para permitir a sequência alternada dos produtos, além dos aspectos farmaco econômicos desse cronograma, que permite melhor absorção do tratamento no fluxo de caixa do paciente, que normalmente é o principal financiador do tratamento. Contudo, e ainda que o número de aplicações e intervalo sejam contemplados na literatura,  devemos lembrar que nosso estudo é preliminar  (série de casos) e , portanto, não define, de forma absoluta, que este seria o melhor protocolo a ser padronizado.  Apesar do rigor cientifico desta consideração, devo ressaltar que temos obtido ótimos resultados nesta forma de utilização dos viscossuplementos, que, conforme objetivamos no desenho do estudo, pretente proporcionar resutados rápidos, duradouros e com boa estabilidade articular.

4 - Sabemos que, assim como outras intervenções, a viscosuplementação também tem evoluído, na tentativa de simplificar o procedimento, facilitar o acesso e torná-lo mais preciso e eficaz. Quais são os maiores desafios e dificuldades encontrados para a realização desse procedimento atualmente? Em que sentido tem caminhado as mais recentes pesquisas ?

O nosso grande desafio no momento é o acesso ao compartimento inferior, uma vez que se trata de um espaço bastante reduzido.  As pesquisas tem buscado técnicas que facilitem esse acesso, tanto a partir de referências anatômicas, quanto por meio de exames de imagem, ou mesmo, pela associação de ambos. Sabemos que existe uma variabilidade aproximada de 30% entre os pacientes no que diz respeito à posição do tragus/orelha externa, em relação à depressão pre-auricular, uma das principais referências anatômicas que utilizamos para a infiltração. Da mesma forma, a abordagem guiada por meio de ultrassom também apresenta limitações e cuidados, como o treinamento técnico, a abordagem a 4 mãos em uma articulação pequena, e claro, o próprio equipamento. Fica evidente a necessidade de mais estudos com o objetivo de tornar a técnica o mais viável possível.

A anamnese detalhada, abrangente e individualizada é fundamental para o correto diagnóstico. O diagnóstico por imagem tem evoluído muito e é um recurso muito importante para o detalhamento do diagnóstico e personalização do tratamento,como, por exemplo, a tomografia computadorizada cone bean de alta resolução, a ressonância magnética e a ultrassonografia.  Estabelecer o raciocínio clínico e a sequência terapêutica que irá proporcionar o melhor prognóstico para nosso paciente é o principal desafio para termos o sucesso clínico com a viscossuplementação. O raciocínio clinico deve buscar estabelecer o estágio atual da doença, definir alvos e objetivos terapêuticos, selecionar os produtos, número de sessões e intervalo entre elas, além de determinar quais terapias deverão ser associadas para potencializar o resultado clínico. 

5 - Na sua opinião, como a viscosuplementação tem impactado a prática clínica do especialista em Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial ? 

Para o  profissional que maneja a DTM articular, a viscossuplementação é uma opção terapêutica extremamente relevante. Trata-de de um procedimento minimamente invasivo, de baixa morbidade, seguro e efetivo quando devidamente realizado por profissionais capacitados. Por ser uma técnica minimamente invasiva, pode ser realizada com segurança no ambiente de consultório odontológico ou ambulatorial, sob anestesia local, e como terapia combinada tanto para as abordagens conservadoras, como a fisioterapia, farmacoterapia, placas oclusais, dentre outras, como em associação às outras técnicas minimamente invasivas, como a artrocentese e  artroscopia em estágios mais avançados da doença. 

Seja em associação a terapias conservadoras, quanto em associação a outros procedimentos minimamente invasivos, a viscossuplementação da ATM, quando bem indicada e devidamente realizada por profissionais capacitados, favorece o sucesso terapêutico, resgatando o ambiente articular, assim como  a função biomecânica da ATM, pois melhora a viscosidade do líquido sinovial, elimina mediadores inflamatórios, proporciona alívio da dor e, ao mesmo tempo, protege a superfície da cartilagem articular e fornece lubrificação.

6 - Recentemente temos visto a utilização do ultrassom como ferramenta para guiar o acesso articular. Em que casos seriam necessários ? 

A infiltração guiada por ultrassom já está estabelecida na literatura. É uma ferramenta utilizada há vários anos na ortopedia e reumatologia para acesso às pequenas articulações, com o objetivo de guiar e/ou confirmar o acesso intra-articular. Em resumo, a utilização do ultrassom aumenta a segurança no procedimento e confirma o correto acesso. 

No que se refere à ATM, por apresentar um maior diâmetro e referências anatômicas bem definidas e de fácil localização, a infiltração no compartimento superior já é realizada há vários anos, de forma efetiva,  sem a necessidade de guiagem por ultrassom. Esse procedimento, realizado dessa forma, já esta estabelecido na literatura através de vários estudos clínicos que comprovam a sua eficácia. É importante ressaltar que, como em qualquer procedimento minimamente invasivo, o domínio da técnica é fundamental para o sucesso terapêutico, assim como conhecer os pontos anatômicos, saber identificá-los e acessá-los, fazem parte da capacitação e treinamento para  executar o procedimento de forma correta, segura e efetiva. 

Já o compartimento inferior, mesmo guiado por ultrassom, tem  acesso difícil, uma vez que trata-se de um espaço bastante reduzido. Temos evoluído na técnica de acesso ao compartimento inferior, adotando também pontos anatômicos já descritos na literatura, para orientar a sua localização e porta de acesso. A nossa busca é pela simplificação da técnica, sem perder a segurança e eficácia, tornando-a mais acessível com o objetivo de melhorar o quadro clínico e a qualidade de vida dos nossos pacientes. 

Desta forma, quero ressaltar que a ultrassonografia sempre agrega valor ao procedimento, principalmente em relação à segurança do uso da técnica. Contudo, ainda que isso seja especialmente verdade em relação ao compartimento inferior, cujo acesso é mais difícil, um profissional bem treinado, experiente em relação a técnica e com conhecimento das referências anatômicas da ATM pode prescindir desse recurso em aplicações no compartimento superior e, até mesmo, no compartimento inferior. 

Em suma, a utilização do ultrassom para a guiar e/ou confirmar o correto posicionamento da agulha  nas infiltrações para o controle das patologias que acometem o compartimento inferior da ATM aumenta a segurança no procedimento e confirma o correto acesso. 

Reitero que a capacitação profissional, para o correto uso das técnicas (inclusive as de imagem) é imprescindível, até mesmo para profissionais já proficientes na técnica da viscossuplementação para a ATM.

7 - Muitas das patologias articulares ocorrem no compartimento inferior da ATM e hoje temos observado a utilização da viscosuplementação também neste compartimento. O sr. poderia compartilhar conosco a sua experiencia quanto às limitações e dificuldades com essa técnica? 

Sim, já estamos realizando o acesso ao compartimento inferior há algum tempo e os resultados são realmente muito positivos. As maiores dificuldades estão relacionadas às variações anatômicas e processos degenerativos já avançados que dificultam a localização da porta de entrada do compartimento, mesmo para profissionais já experientes. Pacientes com limitação de abertura bucal ou quadros álgidos associados que limitam a mobilidade articular necessária para a realização do procedimento, assim como trabalhar a quatro mãos com checagem por ultrassom e o treinamento adequado para manejo do ultrassom são fatores que com certeza, podem ser considerados dificuldades e/ou limitações para a sua realização.


Gostaríamos de agradecê-lo pelo tempo dispensado a esta entrevista. Temos certeza que muitas dúvidas de nossos associados serão esclarecidas!
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Prof. Dr. Eduardo Januzzi

  • Cirurgião dentista. 
  • Doutor em saúde baseada em evidência pela Universidade Federal de São Paulo. 
  • Mestre em Disfunção Temporomandibular e Dor orofacial pela Escola Paulista de Medicina – UNIFESP.
  • Médico dentista com mestrado integrado pelo Instituto Universitário  Égaz Moniz – Portugal.
  • Especialista em Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial pelo Conselho Federal de Odontologia.
  • Especialista em Prótese Dental, Periodontia, Implantodontia e Saúde baseada em evidência. 
  • Membro e sócio fundador da SBDOF. 
  • Sócio correspondente da SPDOF no Brasil – Sociedade Portuguesa de Dor Orofacial e DTM. Coordenador dos cursos de especialização e de atualização em Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial com ênfase em Sono promovido pela Neon Cursos em Belo Horizonte - MG e do curso avançado em  Disfunção Temporomandibular, Dor Orofacial  e  Sono promovido pela European Center of Dental Specialties (ECDS) em Lisboa - Portugal. 
  • Responsável pelo convênio internacional de intercâmbio profissional e pesquisa entre Hospital Mater Dei – Belo Horizonte – MG  e Hospital da Luz – Lisboa – Portugal.