Entrevista

Profa. Hellíada Vasconcelos Chaves


Hoje a nossa entrevistada é a Profa. Hellíada Vasconcelos Chaves. A Profa. Hellíada é graduada em Odontologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mestre em Farmacologia e doutora em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina da UFC. É professora do Curso de Odontologia UFC - Campus Sobral, professora permanente do Mestrado em Ciências da Saúde UFC - Campus Sobral e do Programa de Pós-Graduação em Odontologia (PPGO) UFC - Campus Fortaleza. Atuou como Professora Visitante da University of Toronto, Canadá, trabalhando com Professor Barry Sessle, entre 2020 e 2021, com bolsa CAPES/PRINT. É atualmente Bolsista de Produtividade em Pesquisa pela FUNCAP. Desenvolve pesquisa na área de Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial, e pesquisa laboratorial nas áreas de Farmacologia e Bioprospecção de Produtos Naturais na Inflamação e na Dor.


Olá Professora Hellíada, obrigada pelo aceite em nos conceder essa entrevista. O seu currículo e trajetória são muito inspiradores e gostaríamos de conhecer um pouco mais sobre você.  Quando começou seu interesse pela área de DTM e Dor Orofacial?

Inicialmente gostaria de agradecer a gentileza da Comissão de Ensino e Pesquisa da SBDOF por indicar meu nome e ressaltar que me senti muito honrada com o convite.

Somos uma geração que tem experienciado muitas transformações, e uma delas foi a mudança de século. Toda minha história na área da DTM e Dor Orofacial começou no final do século passado, em 2000, ainda enquanto aluna de graduação, quando participava dos atendimentos clínicos a pacientes com dores orofaciais na Clínica de Prótese da UFC Fortaleza. Vivenciar essa experiência logo no início da graduação me permitiu ver a Odontologia muito maior e mais ampla. Poder acompanhar as histórias de vida desses pacientes, suas dores (todas elas), e vivenciar a mudança na vida dessas pessoas que essa área de atuação proporcionava, me fez apaixonar absolutamente pela DTM e Dor Orofacial. Tudo isso coincidiu com a oficialização da Especialidade.

Quando iniciei minha carreira acadêmica como Professora Substituta na UFC Fortaleza em 2004, integrei o Grupo de Estudos em Dor Orofacial (GEDO). Ao assumir o concurso na UFC Campus de Sobral, fundei o NEPDOR (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Dor Orofacial) em 2008, com objetivo de oferecer atendimento clínico a pacientes no interior do Estado do Ceará. Algum tempo depois, instituí a disciplina DTM e Dor Orofacial na Graduação do Curso de Odontologia. Desde então, além do ensino e da extensão, temos estruturado nosso grupo de pesquisa. Ao longo desses anos, venho atuando então nessa especialidade com muito amor e dedicação, buscando integrar ensino, pesquisa, gestão e extensão dentro da Universidade, e fazendo uma ponte essencial com a população e a sociedade.


Você poderia nos falar um pouco mais sobre suas linhas de pesquisa?

Durante meu Mestrado e Doutorado iniciei a pesquisa científica em modelos pré-clínicos de dor na articulação temporomandibular, a fim de compreender seus processos neurofisiopatológicos. A partir de então, sigo nessa linha de pesquisa tão instigante que tem muito ainda a se descobrir.

Uma outra área de pesquisa em DTM e Dor Orofacial é a busca por novas possibilidades terapêuticas. Sabendo que a biodivesidade brasileira é uma das mais ricas do planeta, nosso grupo de pesquisa une o NEPDOR e o Laboratório de Farmacologia de Sobral (LaFS), integrando alunos da Iniciação Científica à Pós-Graduação, com grupos de pesquisa da UFC e de outras instituições no país e em outros países, para trabalhar nessa área. Temos desenvolvido compostos derivados semissintéticos a partir de compostos isolados de plantas, o que tem proporcionado compostos estáveis, sem toxicidade, com potencial escalonável e que atuam na redução da dor em doses baixíssimas (nano e microgamas) em estudos pré-clínicos.

Dentro da ciência, quando nos chega alunos para a pós-graduação,  cada um traz consigo a beleza da individualidade, e isso nos permite e nos leva a abrir outras possibilidades de pesquisa, como tem acontecido com estudos com Cannabis medicinal, na área do Bruxismo e estudos clínicos.  A realização desses trabalhos têm sido possível graças à conquista de Editais de Pesquisa Científica por nosso grupo de pesquisa junto às Instituições de fomento Nacionais (CNPq, FINEP) e regional (FUNCAP), além de bolsas junto à CAPES e à UFC. Como resultados desses trabalhos, temos dissertações de mestrado e teses de doutorado em andamento e defendidas, assim como publicações científicas, desenvolvimento de softwares e depósito de patentes.

Como professora em universidade pública, localizada em uma cidade no interior do Brasil, quais obstáculos você precisou enfrentar para se firmar como pesquisadora?

Chegar em uma das primeiras expansões da Universidade Pública Brasileira, recém-iniciada, com apenas 6 anos de idade, no interior de um estado do seminárido no Nordeste do Brasil, nos levou a transformar os desafios em força de vontade, criatividade, consistência, persistência, resiliência, estudo e dedicação ao trabalho. Desviar das pedras que vêm aparecendo nesse rio de correntezas normalmente rápidas demais, como é a ciência, é também ter sabedoria para apascentar as águas velozes a um pouco mais brandas, e assim conseguir ser pesquisador e saborear a vida além-academia.

Na época, há quase 17 anos, ao adentrar no Laboratório de Farmacologia da UFC Sobral, admirei-me com seu grande tamanho, porém praticamente vazio, ademais de cheio de energia de trabalho.  Ao longo desses 17 anos, ressalto a importância dos editais conquistados por nosso grupo de pesquisa através das agências de fomento como CNPq, FUNCAP e FINEP, além do apoio institucional da UFC, da prefeitura de Sobral e do governo do estado do Ceará, que têm nos permitido estruturar fisicamente os laboratórios e assim construir um grupo de pesquisa sólido. Com a abertura para equipamentos multiusuários, assim como com as parcerias locais, regionais, nacionais e internacionais, essa estruturação física e capacitação de pessoal vem sendo possível.

Esse ano fundamos a Rede de Biotecnologia de Sobral, unindo pesquisadores da UFC, da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), da EMBRAPA e de Faculdades particulares, o que tem representado uma importante estratégia para mitigar o isolamento acadêmico, fomentando a interação para crescimento científico. Com tudo isso, e ao longo desses anos, temos contribuído com a ciência, além de proporcionar uma grande transformação econômica, política e social no interior do estado do Ceará, contribuindo para reduzir as flagrantes desigualdades regionais do Brasil, fazendo, assim, com que a ciência possa regar a aridez do sertão.

Além de pesquisas na área, você possui algum serviço assistencial que ofereça atendimento especializado para indivíduos com DTM? De que forma esse serviço impactou no manejo das DTMs na região?

Em 2008 fundei o NEPDOR (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Dor Orofacial), que oferece desde então atendimentos clínicos semanais para a população de Sobral e de outros 24 municípios, além de pessoas de outros estados vizinhos. Na época não havia esse serviço para a atendimento da população acometida por DTMs e dores orofaciais, fazendo do projeto um grande transformador social e de vidas. De presente, tenho ganhado o convívio com muitos alunos de graduação e de pós-graduação que integram o projeto, assim como com profissionais de outras áreas como a fisioterapia e psicologia, além da interação que conseguimos dentro do serviço público com médicos nas diversas especialidades. Um dos momentos mais gratificantes da minha vida acadêmica é receber esses pacientes e acompanhá-los individualmente, junto a esse grupo que tem se estruturado ao longo desses 15 anos de NEPDOR.

Ademais dos atendimentos clínicos, atuamos além dos muros da Universidade, ao participar de educação continuada junto a Cirurgiões-dentistas na Atenção Primária à Saúde, de trabalhos junto aos Agentes Comunitários de Saúde, de ação educativa em praça pública sobre DTM e Bruxismo, e do bom uso das redes sociais para divulgação de conhecimento na área e educação. O NEPDOR é, de fato, um projeto de extensão recebido com muito carinho por todos, e que tem conseguido uma boa interação entre Universidade e Sociedade, além de também ser fonte de ciência viva.

Em 2020, você atuou como Professora visitante para a University of Toronto. De que forma as experiências profissionais vividas lá impactaram sua atuação e pesquisas na área de DTM/DOF aqui no Brasil?

2020 e 2021 foram dois anos que me agraciaram com uma enorme experiência de ciência e de vida. Conheci pessoas de vários países ao redor do mundo. Digo que ganhei de presente passar a pandemia no Canadá. Após apenas um mês de minha chegada, começou o primeiro lockdown, que durou 5 meses, além de outros que se sucederam. Foi desafiador, e ao mesmo tempo engrandecedor. Tive o grande privilégio de conviver com o Professor Barry Sessle, um grande cientista e ser humano, de uma inteligência e rapidez de raciocínio admiráveis. Junto ao grupo de pesquisa do Prof Barry Sessle, trabalhei também com a Professora Limor Avivi-Arber, com quem reproduzi inovadoras técnicas de pesquisa como CLARITY e RNAscope.

A técnica CLARITY permite tornar os tecidos e órgãos transparentes, incluindo o encéfalo, permitindo, por exemplo, avaliação de células da glia no sistema nervoso central de forma tridimensional. Já o RNAscope se utiliza de princípios de imunofluorescência para imunomarcação de RNA. O período de minha estadia lá me permitiu também conhecer outros pesquisadores. Essa experiência como professora visitante já porporcionou a alunos brasileiros realizarem estágio durante a pós-graduação na Universidade de Toronto no Canadá, assim como em outros países. Com tudo o que vivenciei e experienciei nesse período, veio uma maturidade no lidar de forma mais assertiva e realista com a pesquisa científica e com as pessoas que preenchem esses caminhos. Contribuir com a abertura das portas da internacionalização da Universidade e da pesquisa brasileira é uma grande conquista recheada de muita responsabilidade, que tem trazido um grande crescimento pessoal e profissional.

E para, encerrar, como você vislumbra seu futuro como pesquisadora na área de DTM/DOF? 

Um dos grandes desafios é a efetivação de um estudo translacional. Requer muito tempo de pesquisa e muitas etapas para conseguirmos sair da bancada para o paciente. Sigo nesse caminho, porém, para um dia ser possível atravessar essa ponte, consciente para fazer o melhor possível em cada momento do dia de hoje. Ao longo dessa passagem, acertamos, erramos, e seguimos, pegando cada detalhe e tudo como aprendizado ao assumir responsabilidades. Vislumbro o crescimento, maturidade e consolidação de um grupo de pesquisa, com respeito e ética, aparando as arestas para tornar o caminho mais leve.

Tenho certeza de que pesquisa é esforço contínuo e, independente de onde o pesquisador esteja, quer seja num grande centro ou no interior do nordeste, seu objetivo deve ser construir novos conhecimentos, questionar alguns vigentes, instigar o pensamento crítico e assim permitir transformação de uma sociedade. Como diz Ariano Suassuna: “Toda arte é local antes de ser regional, mas, se prestar, será contemporânea e universal”.

 
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Profa. Hellíada Vasconcelos Chaves

Graduada em Odontologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mestre em Farmacologia e doutora em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina da UFC.

É professora do Curso de Odontologia UFC - Campus Sobral, professora permanente do Mestrado em Ciências da Saúde UFC - Campus Sobral e do Programa de Pós-Graduação em Odontologia (PPGO) UFC - Campus Fortaleza.

Por três editais, e atualmente, é Bolsista de Produtividade em Pesquisa pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP).

Também foi Bolsista de Produtividade em Pesquisa pelo CNPq (PQ-2) entre os anos de 2018-2020, quando foi necessário solicitar desligamento para atuar como Professora Visitante na Universidade de Toronto, Canadá.

Durante os anos de 2020-2021 trabalhou junto ao grupo de pesquisa do Professor Barry Sessle.

É coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Dor Orofacial (NEPDOR) e do Laboratório de Farmacologia de Sobral (LaFS).

Desenvolve pesquisa na área de Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial, e pesquisa laboratorial nas áreas de Farmacologia e Bioprospecção de Produtos Naturais na Inflamação e na Dor.