Caderno SBDOF

Caderno 11 - As estratégias cognitivo-comportamentais no controle da dtm e do bruxismo

Autores: Ricardo Luiz Barreto Aranha, Daniela Aguiar Franzen

Dentro da perspectiva de se abordar as variáveis do sistema nervoso central envolvidas na etiologia das DTM e do bruxismo, salienta-se a importância de técnicas e recursos advindos da psicologia. Dentre as várias vertentes da área, há duas que se conectam de maneira mais imediata ao tratamento de pacientes com dor ou disfunção orgânica: a comportamental e a cognitiva, em abordagens breves.

O comportamentalismo (“behaviorismo”) surgiu com John B. Watson, em 1913, e recebeu grande contribuição e divulgação com os estudos de B.F. Skinner (1904-1990). Baseia-se no fato das diversas ações humanas (comportamentos) serem aprendidas e detectáveis, reforçadas ou extintas, segundo certas condições. Desenvolve-se então uma “tecnologia do comportamento” para modificação dessas ações, em grande parte oriunda de experimentos com animais.

Já a corrente cognitiva (cognição = conhecimento/aprendizado) pressupõe que o pensamento influencia os sentimentos. Entre um evento e sua resposta, interpõe-se a mente. Dessa forma, em tese, é possível instruir o paciente a ter pensamentos mais positivos e a não se fixar somente nas interpretações negativas dos fatos da vida, como ocorre na depressão, por exemplo. Dois dos expoentes dessa técnica foram George Kelly (1905-1967) e Aaron Beck. Intervenções cognitivo-comportamentais breves para distúrbios dolorosos, incluindo as DTM, têm sido utilizadas desde a década de 1960. Segundo Hathaway (1997)4 e Dworkin (2000)5, esses recursos devem estar ao alcance do clínico que almeja tratar a DTM (ou alternativamente, controlar o bruxismo) e compreendem a redução de hábitos orais deletérios, a mudança de comportamentos inadequados à saúde (como sedentarismo, má-nutrição, maus hábitos de sono), o controle do estresse (relaxamento, hipnose), além da obtenção de melhores estratégias para enfrentamento da dor ou disfunção.

Apesar do nível de evidência intermediário ou baixo e de alguns ensaios clínicos recentes não demonstrarem resultados positivos acima daqueles obtidos no grupo controle6,7,8, um número crescente de autores salienta a importância de estratégias cognitivo-comportamentais serem adicionadas ao repertório terapêutico do dentista, possibilitando o melhor manejo do paciente de DTM ou daquele com bruxismo – que também é considerado um comportamento. Pela experiência clínica favorável comumente relatada, pelo potencial de melhoria de hábitos de saúde geral e ainda por esses recursos serem desprovidos de riscos e terem custos financeiros desprezíveis, é plenamente válida sua incorporação como uma opção relevante na estratégia de tratamento ou controle do hábito. Ademais, alguns artigos surpreendem, relatando melhora do bruxismo do sono após treinamento comportamental diurno, como o biofeedback. Enquanto isso, forma-se um corpo de evidências mais consistente sobre o tema. Na clínica de dor e DTM, hábitos orais e de estilo de vida devem constar no exame inicial, assim como a presença do bruxismo, outras parafunções, posturas crânio-cervicais inadequadas no trabalho, em casa ou ao dormir, má higiene, maus hábitos de sono, má alimentação, o uso de álcool, abuso de analgésicos, etc. Em seguida, o paciente deve ser criteriosamente informado sobre a importância de se evitar ou reverter os comportamentos considerados inadequados e sobre a relação desses com o processo de dor crônica que apresenta. A linguagem deve ser clara e acessível à sua condição sociocultural (componente cognitivo do tratamento).

Para a abordagem específica sobre para funções na região crânio-cervical, deve-se informar a posição de repouso mandibular, ou posição de equilíbrio posterior da mandíbula, que deve ser reconhecida e observada na maior parte da rotina diária. Em geral, é reportada como ausência de contatos interdentários (1 a 3 mm de espaço livre funcional entre os primeiros pré-molares antagônicos) e atividade mínima dos músculos mastigatórios, suficiente apenas para contrapor as forças gravitacionais. Não deve haver contrações adicionais. A boca deve permanecer fechada, com suave contato labial. A ponta da língua deve idealmente tocar a papila incisiva e seu dorso aproximar-se do palato. Deve-se informar ao paciente que os contatos dentários só ocorrerão no momento da mastigação ou deglutição de maneira sutil, e ainda que o excesso pode significar parafunção, eventualmente agravando a dor ou disfunção na região da face.

A partir daí, treinamentos e técnicas de reversão de comportamento são empregados. Os primeiros registros de estratégias cognitivo-comportamentais com intervenções sucessivas para controle de hábitos orais remonta a Azrin & Nunn (1973), cuja proposta Hathaway4 aprimora a seguir:

1- Aumentar a consciência individual do comportamento que se quer reverter, como o apertamento dental. Consegue-se isto através da correta informação sobre o hábito, sobre a postura de repouso mandibular (citada acima) e do automonitoramento, que consiste em colocar a ponta da língua no palato, manter dentes afastados e relaxar a musculatura a cada 20 ou 30 minutos. Dessa maneira, obtém-se, ao mesmo tempo, a interrupção do hábito através de uma ação incompatível com o apertamento (relaxamento e separação dos arcos).

2- Eliminar qualquer possibilidade de reforço do hábito. Isso pode ocorrer caso o paciente abandone o automonitoramento, reincidindo na parafunção. O dentista, então, deve salientar a importância da constância e da disciplina durante o processo, que efetuado corretamente, potencialmente reverte o problema em período relativamente curto de tempo. Para isso, cartões ou pequenos objetos podem ser usados pelo paciente como lembretes (pistas), sendo colocados em locais estratégicos e visíveis da rotina diária, como no telefone ou mesa de trabalho.

A condução pelo terapeuta ou dentista deve ser assertiva, reforçando ações positivas e parabenizando o indivíduo pela boa conduta e pelos bons resultados obtidos, que, em última análise, são uma conquista do próprio paciente. Dentre as "pistas'' ou marcadores que se alinham com a mudança de hábitos e/ou a reforçam, podem ser incluídos os momentos de realização da termoterapia, de exercícios respiratórios para regulação da resposta autonômica simpática, de exercícios de relaxamento, da higiene oral, etc. Aplicativos de celular que avisam regularmente o paciente e que registram seu comportamento são uma alternativa, compondo o que se chama de avaliação momentânea ecológica (EMA - ecological momentary assessment approach), também conhecida como metodologia de amostragem de experiênia (ESM - experience sampling methodology). Contribuem para o diagnóstico, o tratamento e também para a pesquisa epidemiológica.

Obviamente, é esperada a suficiente compreensão, o comprometimento ou engajamento com a proposta de tratamento pela conscientização e motivação do próprio paciente; caso contrário, não há expectativa de bons resultados. Enfatiza-se sempre o estabelecimento prévio do diagnóstico adequado e a eventual necessidade de encaminhamento à psicoterapia de apoio, importante para a abordagem de questões emocionais mais profundas e que estejam relacionadas ao problema. Essa deverá ser realizada pelo profissional da saúde mental.
Referências
  • 1. Myers, D. Introdução à Psicologia Geral [Introduction to Psychology]. Rio de Janeiro: LTC S.A., Trad. A.B. Pinheiro de Lemos. 1999. 519p.
  • 2. Davis R, Campbell R, Hildon Z, Hobbs L, Michie S. Theories of behaviour and behaviour change across the social and behavioural sciences: a scoping review. Health psychology review. 2015;9(3):323-44.
  • 3. Beck AT. Cognitive therapy: past, present, and future. J Consult Clin Psychol. 1993 Apr;61(2):194-8. doi: 10.1037//0022-006x.61.2.194. PMID: 8473571.
  • 4. Hathaway, K.M. Evaluation and management of maladaptative behaviors and psycological issues in temporomandibular disorders patients. Dental Clinics of North America, 1997; 41: 341-54
  • 5- Dworkin, S.F. Behavioral dentistry: a renewed paradigm for the future. JIDA, 2000-2001; 79; 4; 11-15
  • 6. Valiente López M, van Selms MK, van der Zaag J, Hamburger HL, Lobbezoo F. Do sleep hygiene measures and progressive muscle relaxation influence sleep bruxism? Report of a random sed controlled trial. J Oral Rehabil. 2015 Apr;42(4):259-65. doi: 10.1111/joor.12252. Epub 2014 Nov 21. PMID: 25413839.
  • 7. Amorim CSM, Espirito Santo AS, Sommer M, Marques AP. Effect of Physical Therapy in Bruxism Treatment: A Systematic Review. J Manipulative Physiol Ther. 2018 Jun;41(5):389-404. doi: 10.1016/j.jmpt.2017.10.014. PMID: 30041736.
  • 8. Bussadori SK, Motta LJ, Horliana ACRT, Santos EM, Martimbia co ALC. The Current Trend in Management of Bruxism and Chronic Pain: An Overview of Systematic Reviews. J Pain Res. 2020 Sep 30;13:2413-2421. doi: 10.2147/JPR.S268114. PMID: 33061557; PMCID: PMC7533232.
  • 9. Carlson, C.R. Physical self-regulation training for the management of temporomandibular disorders, J Orofac Pain, 2001; 15: 47-55
  • 10. Soares JMN, Poletto LT de A, Naves MD, Braga LL da C. Efeito da alteração comportamental cognitiva e do alongamento dos músculos elevadores da mandíbula no tratamento das dores orofaciais de origem músculo esquelética [The effect of behavioral cognitive alteration and the stretching of jaw elevating muscles on the treatment of orofacial pain of muscle-skeletal origin]. Arq Odontol [Internet]. 14o de março de 2016 [citado 24o de outubro de 2020];43(4). Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/arquivosemodontologia/article/view/3448
  • 11. Manfredini D, Colonna A, Bracci A, Lobbezoo F. Bruxism: a summary of current knowledge on etiology, assessment, and management. Oral Surgery. 2019.
  • 12. Saito-Murakami K, Sato M, Otsuka H, Miura H, Terada N, Fujisawa M. Daytime masticatory muscle electromyography biofeedback regulates the phasic component of sleep bruxism. J Oral Rehabil. 2020 Jul;47(7):827-833. doi: 10.1111/joor.12979. Epub 2020 May 14. PMID: 32329089.
  • 13. Bogart RK, McDaniel RJ, Dunn WJ, Hunter C, Peterson AL, Wright EF. Efficacy of Group Cognitive Behavior Therapy for the Treatment of Masticatory Myofascial Pain. Military Medicine. 2007;172(2):169-74.
  • 14. Orthlieb, J.D. Oclusão princípios práticos [Occlusodontie pratique]. Porto Alegre: ARTMED, Trad. Sandra Dias Loguércio. 2002. 228p.
  • 15. Azrin NH, Nunn RG. Habit-reversal: a method of eliminating nervous habits and tics. Behav Res Ther. 1973 Nov;11(4):619-28. doi: 10.1016/0005-7967(73)90119-8. PMID: 4777653.