Caderno SBDOF

Caderno 12 - Deslocamento de disco da articulação temporomandibular

Autor: Rodrigo Lorenzi Poluha

Volume IV Número XIII - Publicação realizada em 19/10/2021

INTRODUÇÃO
Os deslocamentos de disco da articulação temporomandibular (ATM), com e sem redução, correspondem, respectivamente, a aproximadamente 42% e 35% dos diagnósticos das disfunções temporomandibulares (DTM) e são os principais desarranjos internos da ATM1,2.

Para compreender a etiologia dos deslocamentos de disco, é preciso entender primeiro porque o disco não desloca na maioria das articulações. Em condições normais, o disco mantém-se em posição devido à harmonia de vários fatores como: a anatomia bicôncava do disco, que se adapta às curvas do tubérculo articular do osso temporal e da cabeça da mandíbula; a maior espessura da porção posterior do disco; a higidez dos ligamentos colaterais da ATM; além do fluído sinovial saudável em níveis adequados3. Em linhas gerais, uma vez que essa harmonia é perturbada por forças que superem a capacidade adaptativa individual, ocorre o deslocamento4,5.

Partindo, então, do cenário no qual o disco já está deslocado, é necessário discutir separadamente as diferentes apresentações desse desarranjo interno da ATM.
 
DESLOCAMENTO DE DISCO COM REDUÇÃO – DDCR
Além de representar o diagnóstico de DTM articular mais comum, também está presente em aproximadamente 1/3 da população mundial de forma assintomática6. Nesta condição, em boca fechada, o disco se encontra deslocado em relação à cabeça da mandíbula e, durante a abertura bucal, o disco é recapturado (“reduz”) e volta para a posição intermediária entre a cabeça da mandíbula e o tubérculo articular4. Alguns pacientes podem experimentar episódios em que, momentaneamente, não ocorre a recaptura do disco e a abertura bucal é apenas parcial - este quadro é denominado de DDCR com travamento intermitente7.

Tanto a “redução” durante o movimento de abertura, quanto a “perda” do disco durante o fechamento, usualmente se manifestam clinicamente como ruídos, denominados estalidos ou clicks, e que representam a principal queixa dos pacientes com DDCR (deve-se fazer o diagnóstico diferencial com os ruídos de hipermobilidade articular)4,8. Além dos estalidos, a trajetória da abertura bucal desviada para o lado da ATM afetada com retorno à linha média, assim como a dificuldade de lateralidade para o lado contralateral ao afetado, são características do DDCR. Embora esses sinais permitam uma inferência clínica consideravelmente assertiva, o diagnóstico definitivo é realizado por meio de imagens por ressonância magnética (RM)7.

No passado, acreditava-se que uma ATM com DDCR inevitavelmente evoluiria para um deslocamento de disco sem redução (DDSR) e, posteriormente, para um prognóstico sombrio envolvendo alterações degenerativas. Felizmente, essa linha evolutiva não representa a realidade da maioria dos casos. Investigações sobre o curso natural do DDCR, com acompanhamentos variando de 9 meses a 8 anos e sem qualquer intervenção, demonstraram que, em cerca de 93,5% a 88,4% dos casos respectivamente, a condição se mantém estável, com a maioria dos pacientes já não mais reportando queixas7,9. Considerando-se a alta prevalência e a evolução favorável, o tratamento para esta condição deve ser conservador4.

O raciocínio sobre tratamento deve considerar três tipos de pacientes4: (I) indivíduos assintomáticos, que não têm qualquer queixa, mas nos quais durante um exame odontológico o clínico identifica algum sinal do DDCR – esses indivíduos necessitam apenas de um esclarecimento sobre a condição, para que não venham reportar, futuramente, um estalido já presente, como sendo resultado de um procedimento recém realizado10; (II) pacientes cuja  a principal queixa é o estalido – embora não exista um padrão-ouro para o tratamento do ruído articular, uma combinação de cinesioterapia11 e viscossuplementação com hialuronato de sódio12 demonstraram resultados favoráveis em curto e médio prazos (embora quais os melhores protocolos de exercícios e de viscossuplementação são questões que ainda necessitam de maior investigação); (III) pacientes que se queixam de dor articular no momento do estalido, situação denominada de estalido doloroso13 – nesses casos, além das terapias voltadas para o estalido, é preciso abordar a artralgia concomitantemente com medidas que visem a diminuição de sobrecarga articular14, controle farmacológico anti-inflamatório15, melhora no perfil somatossensorial16 , bem como o uso de dispositivos interoclusais, quando há presença de bruxismo do sono17, 18.
 
DESLOCAMENTO DE DISCO SEM REDUÇÃO – DDSR
Nesses quadros, em boca fechada, o disco também se encontra deslocado em relação à cabeça da mandíbula. No entanto, durante a abertura bucal, não ocorre a recaptura/redução, permanecendo o disco deslocado, sendo que o diagnóstico definitivo também deve ser feito por meio de RM7, 19. Clinicamente, a trajetória de abertura bucal é defletida para o lado da ATM afetada, havendo dificuldade de lateralidade para o lado contralateral ao afetado2, 19.

Considerando a amplitude de abertura bucal, é possível ter duas apresentações2, 7, 20: (I) DDSR com limitação da abertura - caracterizado pela súbita e notável limitação da abertura bucal (inferior a 40mm em abertura passiva e entre 25mm e 35mm em abertura ativa), denominado travamento fechado (closed lock). As queixas principais são limitação da mobilidade mandibular (deve-se fazer o diagnóstico diferencial em relação a limitações por restrições musculares) e, em muitos casos, a presença concomitante de dor articular (artralgia); (II) DDSR sem limitação da abertura - nesta situação, a dor é leve ou inexistente e a amplitude da abertura bucal pode aproximar-se da normalidade. A história positiva de travamento e limitação da mobilidade mandibular passada é comum.

Trabalhos sobre o curso natural do DDSR com acompanhamentos variando de 6 meses a 2,5 anos, sem qualquer intervenção, demonstraram que os sinais e sintomas clínicos tendem a reduzir em cerca de 33% a 68,2% dos pacientes e até desaparecer em 43% dos casos21,22. Radiograficamente, espera-se uma redução significativa da efusão articular (35,71%) e o surgimento de alterações ósseas (51,79%), em sua maioria, adaptativas23.

O tratamento deve objetivar prover ao paciente uma abertura bucal com amplitude que permita plena funcionalidade mandibular sem dor24. Ponderando-se a evolução favorável, medidas conservadoras devem ser preferidas inicialmente25. Nos casos agudos, nos quais o travamento é recente, manobras redutivas que visam a liberação do disco podem ser realizadas, embora o sucesso do procedimento e a estabilidade do resultado sejam imprevisíveis26 – quando a manobra é bem-sucedida, placas protrusivas podem ser agregadas à terapia por um tempo limitado27. Visto que, no quadro agudo, a dor é, frequentemente, de alta intensidade, abordagens concomitantes para a resolução da artralgia são válidas2. Quando há insucesso nas manobras de destravamento, técnicas de fisioterapia voltadas para hipomobilidade, visando ganho de abertura bucal, devem ser empregadas. É importante o estabelecimento de um protocolo de exercícios com evolução gradual, respeitando a tolerabilidade do paciente27. Nos casos refratários, pode-se considerar estratégias cirúrgicas, sendo a principal modalidade a artrocentese24. A artrocentese consiste na lavagem da ATM com uma solução biocompatível, gerando pressão intra-articular capaz de romper aderências e remover mediadores álgicos, apresentando uma taxa de sucesso superior a 90%28.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os quadros de deslocamentos de disco da ATM são comuns, mesmo em populações assintomáticas. Felizmente, são condições de evolução favorável na ampla maioria dos casos, devendo-se, portanto, priorizar medidas de tratamento conservadoras, baseadas nos mecanismos da queixa principal do paciente, reservando as terapias mais invasivas para os casos refratários. 
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​Rodrigo Lorenzi Poluha

  • Cirurgião Dentista pela Universidade Estadual de Maringá (UEM);
  • Residência em Prótese Dentária pela Universidade Estadual de Maringá (UEM);
  • Mestre em Odontologia Integrada pela Universidade Estadual de Maringá (UEM);
  • Especialista em DTM e Dor Orofacial pelo Instituto de Ensino Odontológico (IEO/Avantis);
  • Doutor em Reabilitação Oral pela Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB/USP);
  • Membro da Sociedade Brasileira de Dor Orofacial (SBDOF).
  • Professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e Unicesumar.