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A systematic review of treatment for patients with burning mouth syndrome

Resenha escrita por: Cláudia Aparecida de Oliveira Machado

A Síndrome da Ardência Bucal (SAB) é uma dor orofacial idiopática com sensação de queimação ou disestesia intraoral e recorrência, sentida por mais de 2 horas por dia e por mais de 3 meses, sem lesões causais identificáveis, com e sem alterações somatossensoriais1. A prevalência varia de 0,1% a 3,9%, principalmente em mulheres na pós-menopausa2.

A SAB geralmente se manifesta como queimação, formigamento, coceira ou dormência e acomete  língua, lábio, palato, gengivas e outras mucosas orais3. A intensidade da dor aumenta ao longo do dia e atinge o pico no final da noite4. Os pacientes se queixam de disgeusia, xerostomia, alteração da sensação na mucosa oral e problemas psicológicos, como ansiedade e depressão. A patogênese da SAB está hipoteticamente associada a distúrbios psicológicos5 e à neuropatia periférica e central6.

Esta revisão teve como objetivo avaliar a eficácia e a longevidade a curto (3 meses) e a longo prazo (>3 meses) de diferentes estratégias de tratamento da SAB e os efeitos colaterais associados. Foram incluídos 22 ensaios clínicos randomizados com acompanhamento mínimo de 2 meses, considerando ainda a sustentabilidade dos efeitos e os possíveis efeitos colaterais7.

Concluiu-se que atualmente não há tratamento definitivo para a SAB e a terapêutica visa, principalmente, eliminar a disestesia dolorosa em queimação. Sua etiologia permanece incerta com várias patogêneses sugeridas, como distúrbios de neuropatia periférica e central, distúrbios psicológicos, alterações hormonais, fatores genéticos e a associação com outras doenças neurológicas, como a doença de Parkinson. 

Neste estudo, foram identificadas as seguintes categorias de tratamento:

Anticonvulsivantes

- Clonazepam:  os receptores GABA-A são encontrados na mucosa oral, mandíbula, palato, glândula salivar e vias gustativas. Sendo um agonista de GABA, pode reverter a disfunção do nervo corda do tímpano periférico e a perda do paladar em pacientes com SAB. O clonazepam tópico intraoral mostrou ser superior à ingestão oral para analgesia imediata da dor, mas com duração de ação mais curta.

- Gabapentina e Pregabalina: reduzem a dor ligando-se à subunidade a2d-1 dos canais de cálcio,  inibindo a liberação de neurotransmissores como glutamato, CGRP e substância P e o desenvolvimento de dor crônica. 

Antidepressivos

- Amitriptilina: não foi amplamente mencionado nos estudos da SAB por causa do seu efeito colateral frequente, a xerostomia, que agrava a xerostomia preexistente relacionada à SAB.

- Trazodona: atua como inibidor da recaptação de serotonina. Não reduziu significativamente a dor e teve um efeito placebo elevado. Os efeitos adversos relatados como tontura e sonolência limitam seu uso.

- Citalopram: inibidor seletivo de recaptação de serotonina (ISRSs), prolongando sua disponibilidade na  fenda sináptica. Houve eficácia inconclusiva no tratamento da SAB com ISRSs.

Fitomedicinais

- Capsaicina: a aplicação local ativa o canal TRPV1 e modula a transmissão nociceptiva dos impulsos periféricos para o SNC. É comum haver aumento inicial da dor em queimação induzida pelo uso tópico da capsaicina, mas esse efeito é limitado, de curta duração e seguido de alívio da  dor. O pré-tratamento do local com anestésico tópico tem sido usado clinicamente para reduzir o desconforto induzido.

- Palmitoiletanolamida ultramicronizada (umPEA): ácido graxo endógeno que suprime a descarga de mediadores pró-inflamatórios de mastócitos e micróglia durante a inflamação, prevenindo lesão neuronal e dor crônica. A eficácia de umPEA na SAB deve ser mais estudada em estudos  coorte e com período de acompanhamento maior.

- Catuama de ervas: atua nas vias dopaminérgica, serotoninérgica e em opióides, reduzindo a nocicepção inflamatória em modelos animais. Sugere-se mais estudos para avaliar seus efeitos em humanos.

- Hypericum perfuratum: Como agonista de receptor GABA, induz uma temporária hiperpolarização da membrana neuronal e consequente dessensibilização e inibição da neurotransmissão, proporcionando efeito ansiolítico e analgésico. Não há evidências suficientes sobre eficácia e segurança a longo prazo. Deve-se ter cuidado também com interações medicamentosas com medicamentos que tenham efeitos serotoninérgicos.

- Crocin: composto químico carotenóide encontrado nas flores do açafrão e da gardênia. Previne a neuroinflamação e a neurodegeneração ao diminuir o estresse oxidativo e a morte celular, inibindo a ativação microglial e suprimindo a produção de citocinas inflamatórias. Os efeitos neuroprotetores da crocina foram demonstrados em um modelo animal experimental, mas não em ensaios clínicos humanos com avaliação de benefícios a longo prazo.

- Licopeno e azeite virgem (AV): encontrado naturalmente em alimentos pigmentados com carotenoides vermelhos. Possui propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias e anti-apoptóticas. No entanto, o licopeno e o AV não demonstraram ser superiores ao placebo.

- Ácido alfa lipoico (ALA): composto natural encontrado no corpo  humano e em vegetais como tomate, batata,  brócolis e couve. Reduz a inflamação induzida pelo estresse oxidativo e danos ao nervo. O uso combinado de ALA com medicamentos farmacotróficos pode minimizar os  efeitos adversos desses fármacos, reduzindo a frequência e a dosagem prescritas. No entanto, estudos com amostras maiores e mais  longos devem ser realizados para validar seu uso.

- Melatonina: neurohormônio regulador circadiano; tem atividades antioxidantes, anti-inflamatórias, anticancerígenas, ansiolíticas e antinociceptivas. Como os distúrbios do sono são incomuns em pacientes com SAB, houve resposta insuficiente no tratamento da dor relacionada à SAB.

Terapia a laser de baixa intensidade (LBI):

Possui efeitos antiinflamatórios e aumenta a secreção de serotonina, endorfinas e trifosfato de adenosina, diminuindo a velocidade de condução do impulso.

Substituto da saliva bioteno e ureia:

Antixerostômicos tópicos. Pacientes com SBA apresentam diminuição da taxa de fluxo salivar não estimulada. Porém, não foi observada hipossalivação estimulada, o que explica a falta de eficácia dos lubrificantes da cavidade oral na redução da intensidade da dor .

Estimulação magnética transcraniana (EMT):

Pacientes com SAB têm alterações semelhantes em estruturas cerebrais relacionadas à nocicepção/dor com conectividade funcional aumentada e volume reduzido de substância cinzenta, indicando disfunção de regulação da dor no nível do SNC. A estimulação com EMT gera um efeito analgésico difuso. É uma técnica de neuromodulação não invasiva que pode ser utilizada isoladamente ou como complementar à medicação, sendo útil em casos refratários. No entanto, a padronização do protocolo de terapia deve ser estabelecida.

Aparelho oral (protetor da língua):

Supõe-se que pode evitar fatores desencadeantes, como estimulantes alimentares (alimentos quentes e condimentados, alimentos cítricos) ou irritação acidental da língua no local da dor. 

Terapia cognitivo comportamental (TCC):

Pode melhorar a qualidade de vida do paciente, permitindo que ele realize suas atividades diárias sem limitação, desvia sua concentração na dor, alterando o pensamento e os comportamentos adaptativos de enfrentamento. 

Sintetizando, o estudo identificou que em comparação ao placebo, há resultados favoráveis para TCC, capsaicina, clonazepam tópico e LBI, tanto em curto quanto em longo prazo de avaliação. Houve algumas evidências sobre o uso de umPEA, erva catuama e Hypericum perforatum na redução do escore de dor em curto prazo. Houve mudanças insignificantes na melhora da dor a curto prazo nos estudos de Trazodona e ALA (efeitos combinados). No entanto, os efeitos positivos do ALA aumentam na avaliação a longo prazo. Capsaicina, clonazepam tópico e substituto da saliva mostraram eficácia consistente de tratamento em comparação com placebo.

Os autores ressaltam a necessidade de mais ensaios clínicos multicêntricos longitudinais com amostras mais robustas, comparando as várias opções terapêuticas, para se estabelecer um protocolo padronizado de tratamento da SAB.

Referências Bibliográficas

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Cláudia Aparecida de Oliveira Machado

  • Mestranda em Clínica Odontológica Integrada pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Uberlândia, MG - Linha de pesquisa: Tratamento das Deformidades, Dor orofacial e Disfunções Temporomandibulares 
  • Especialista em Dor Orofacial e Disfunção Temporomandibular IEO-Bauru, SP, Odontopediatria – UFU, MG e Ortopedia Funcional dos Maxilares – CFO. 
  • Universidade Federal de Uberlândia
  • Certificação em Odontologia na Medicina do Sono – ABS.
Email: claudiamachadoo@hotmail.com
Instagram: @claudiamachado02