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Frequência de bruxismo da vigília em pacientes ortodônticos: ensaio clínico randomizado

Resenha escrita por: Jordana Senff e Thaís Spisila

Volume IV Número XIV - Publicação realizada em 16/12/2021

Frequency of awake bruxism behavior in orthodontic patients: randomized clinical trial

Pereira NC, Oltramari PVP, Conti PCR, Bonjardim LR, de Almeida-Pedrin RR, Fernandes TMF, de Almeida MR, Conti ACCF. Frequency of awake bruxism behaviour in orthodontic patients: Randomised clinical trial: Awake bruxism behaviour in orthodontic patients. J Oral Rehabil. 2021 Apr;48(4):422-429. doi: 10.1111/joor.13130.


Em uma sociedade cada dia mais ansiosa e imediatista, hábitos para funcionais como o bruxismo, principalmente o bruxismo em vigília, parecem estar cada vez mais presentes (1). O bruxismo é um comportamento que pode ser definido de acordo com sua manifestação circadiana, sendo o bruxismo do sono (BS) uma atividade involuntária e repetitiva dos músculos da mastigação caracterizada por apertar ou ranger os dentes durante o sono, e o bruxismo em vigília (BV) pelo contato repetitivo ou sustentado dos dentes e/ou por travar ou protruir a mandíbula durante a vigília (2). Segundo a terceira edição da Classificação Internacional de Distúrbios do Sono (ICSD-3), 85-90% da população em geral range os dentes em algum momento da vida, tornando esta atividade muscular de grande interesse para clínicos e pesquisadores em diferentes áreas da saúde (3). Um aumento significante do uso de alinhadores ortodônticos ocorreu nos últimos anos, possivelmente devido às necessidades estéticas do público jovem/adulto. No entanto, os efeitos desses aparelhos sobre os pacientes que possuem bruxismo ainda são desconhecidos e as evidências sobre esses efeitos sobre a atividade dos músculos mastigatórios ainda é limitada e controversa (4,5).

Este estudo clínico teve como objetivo principal comparar o uso de aparelho fixo ou de alinhadores ortodônticos com a frequência do BV durante os estágios iniciais do tratamento ortodôntico. Os níveis de ansiedade, estresse, grau de hipervigilância e catastrofização relacionados à dor também foram analisados.  Quarenta pacientes foram selecionados para este estudo clínico randomizado e os critérios de inclusão foram: (1) idade entre 13 e 35 anos; (2) ambos os sexos; (3) má oclusão de Classe I de Angle; (4) apinhamento anterior inferior moderado (3 a 6 milímetros) e (5) tratamento ortodôntico sem extração. Os critérios de exclusão foram: (1) dentes permanentes ausentes, exceto os terceiros molares; (2) mordida aberta anterior ou posterior; (3) mordida cruzada anterior ou posterior; (4) história de tratamento ortodôntico e (5) sinais ou sintomas de DTM ou outro distúrbio crônico doloroso com base nas recomendações dos “Critérios de Diagnóstico para Disfunções Temporomandibulares (DC/TMD)”. A amostra foi composta por 38 pacientes Classe I com idade média de 22,08 anos de idade e os participantes foram divididos em dois grupos: Grupo AO: Alinhadores ortodônticos, composto por 19 participantes; Grupo AF: Aparelho Fixo, composto por 19 participantes. 

Os participantes foram aleatoriamente divididos nos grupos por randomização simples para os fatores gênero, idade, quantidade de apinhamento dentário (índice de irregularidade de Little) (6). Para a gravidade de má oclusão foi utilizado o índice PAR (Peer Assessment Rating), desenvolvido por Richmond et al. em 1992. Esse instrumento leva em consideração as alterações oclusais. (7)

Os indivíduos do Grupo AO foram tratados com alinhadores ortodônticos Invisalign da Align Tecnologia (Santa Clara, Califórnia, EUA). O planejamento 3D foi realizado usando o software Clin CheckTM Pro seguindo as necessidades estéticas e funcionais dos pacientes e diretrizes do fabricante. Os alinhadores foram trocados em consultas agendadas a cada 10 dias. O Grupo AF foi composto por pacientes tratados com aparelhos fixos (slot 0,022 x 0,030 ", 3M Unitek, Monrovia, Califórnia), colocados até os segundos molares seguindo a mesma sequência de fios de nitinol (0,014 ", 0,016", 0,016x,022 ”), respeitando as necessidades individuais de cada paciente. Consultas ortodônticas foram realizados uma vez por mês.

A frequência do BV foi investigada com o uso do método ecológico de avaliação (EMA) para permitir a avaliação em tempo real da frequência do comportamento do bruxismo em vigília, coletando autorrelatos de episódios dessa parafunção, em seu ambiente natural por meio de aplicativos antes e após a colocação do aparelho e no 2º, 3º, 4º e 6º mês de tratamento ortodôntico. A ansiedade foi avaliada através do Inventário de Ansiedade Traço-Estado e o estresse pela Escala de Estresse Percebido (8). A catastrofização relacionada à dor e o grau de hipervigilância foram avaliados pelo Questionário de Vigilância e Consciência da Dor (9) e a presença de dor facial avaliada pelo DC/TMD (10).

Como resultado, não houve diferença entre os grupos na frequência dos episódios de BV, mas, no grupo AF, houve redução significativa desse comportamento logo após a colocação do aparelho. Os grupos não diferiram quanto ao grau de ansiedade, estresse, catastrofização, hipervigilância e dor facial. Neste estudo, o tratamento ortodôntico realizado com alinhadores ou aparelhos fixos não influenciou na frequência do BV durante os 6 meses de tratamento.

Os achados desse estudo sugerem que os tratamentos realizados com alinhadores ou aparelhos ortodônticos fixos não interferem na frequência do BV e não pioram os aspetos psicossociais durante os meses de tratamento. Um aspecto que deve ser analisado é o pequeno tamanho da amostra, sendo esse um fator limitante do estudo. Além disso, os participantes incluídos na pesquisa fazem parte de um grupo de idade correspondente a adultos jovens, sendo interessante que, nos próximos estudos, a amostra seja estendida para outras faixas etárias para comparação com os dados já obtidos. Outro ponto a ser ressaltado é que os indivíduos eram todos saudáveis e a influência de outras patologias poderiam ter sido avaliadas.    

Este é um trabalho relevante e atual, tendo em vista a crescente procura pelos tratamentos que utilizam os alinhadores ortodônticos. Os achados desse estudo devem ser utilizados para outras investigações futuras, principalmente por sua relevância científica e clínica e pelo fato dos dados terem sido obtidos através de parâmetros estabelecidos e elucidados na literatura atual. Até o momento, os estudos são mais direcionados ao entendimento do BS em relação ao uso dos alinhadores e, ao abordar o bruxismo da vigília e sua relação com aspetos psicossociais, foi evidenciada a importância e o ineditismo desse trabalho. Além disso, o estudo também é importante para o melhor entendimento dos profissionais no momento da indicação do tratamento mais adequado e seguro aos seus pacientes. 

Referências: 
  • Bracci A, Djukic G, Favero L, Salmaso L, Guarda-Nardini L, Manfredini D. Frequency of awake bruxism behaviours in the natural environment. A 7-day, multiple-point observation of real-time report in healthy young adults. J Oral Rehabil. 2018;45(6):423-429
  • Lobbezoo F, Ahlberg J, Raphael KG, Wetselaar P, Glaros AG, Kato T, et al. International consensus on the assessment of bruxism: Report of a work in progress. J Oral Rehabil. 2018;45(11):837-44.
  • Sateia MJ. International classification of sleep disorders-third edition: highlights and modifications. Chest. 2014;146(5):1387-94.
  • Bargellini A, Castroflorio T, Casasco F, Giacone M, Garino F, Cugliari G, et al. Short Term Evaluation of the Effects of Orthodontic Clear Aligners on Sleep Bruxism Activity. Iran J Ortho. 2017; 12(2):7916-7920.
  • Castroflorio T, Bargellini A, Luccchese A, Manuelli M, Casasco F, Cugliari G, Cioffi I e Deregibus A. Effects of Clear Aligners on Sleep Bruxism: Randomized Controlled Trial. Journal of Biological Regulators e Homeostaticagents. J Biol Regul Homeost Agents. 2018; 32(2): 21-29.
  • Little, R. M. The irregularity index: a quantitative score of mandibular anterior alignment. Am. J. Orthod., 1975; 68(5); 554-563
  • Richmond, S. et al. The development of the PAR Index (Peer Assessment Rating): reliability and validity. Eur. J. Orthod. 1992; 14(2); 125-139.
  • Spielberger C D., Gorsuch R, Lushene RE. Manual for the State-Trait Anxiety
  • Inventory. Palo Alto, CA, USA: Consulting Psychologist Press; 1970.
  • Roelofs J, Peters ML, McCracken L, Vlaeyen JW. The pain vigilance and awareness questionnaire (PVAQ): further psychometric evaluation in fibromyalgia and other chronic pain syndromes. Pain. 2003;101(3):299-30
  • Pereira Júnior FJ, Gonçalves Dag. Critérios de Diagnóstico para Desordens Temporomandibulares: Protocolo Clínico e Instrumentos de Avaliação. Brazilian Portuguese Version; 2020. 
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Jordana Senff

  • Graduada em Odontologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) (2019)
  • Especialista em DTM e Dor Orofacial pela Associação Brasileira de Odontologia do Paraná - ABO-PR (2021)
  • Atualmente faz Especialização em Ortodontia na UFPR e faz parte do Programa de Pós-Graduação em Odontologia da UFPR, nível mestrado, área de concentração Clínica Odontológica com ênfase em DTM e Dor Orofacial.
E-mail: jordanasenff@hotmail.com
Instagram: @jordanasenff
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Thaís Spisila

  • Graduada em Odontologia pela UFPR (2020)
  • Atualmente faz parte do Programa de Pós-Graduação em Odontologia da UFPR, nível mestrado, área de concentração Clínica Odontológica com ênfase em DTM e Dor Orofacial.
E-mail: thais.spisila@gmail.com
Instagram: @thais.spisila