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O agrupamento de fenótipos identifica pragmaticamente subgrupos de pacientes com dor crônica

Resenha escrita por: Danielle Veiga Bonotto, Rafaela Scariot, Priscila Brenner Hilgenberg Sydney

Volume IV Número XIII - Publicação realizada em 19/10/2021

Phenotypic profile clustering pragmatically identifies diagnostically and mechanistically informative subgroups of chronic pain patients

Gaynor S, Bortsov A, Bair E, Fillingim R, Greenspan J, Ohrbach  R, Diatchenko L, Nackley  A, Tchivileva IE, Whitehead W, Alonso A, Buchheit T, Boortz-Marx RL, Liedtke W, Park JJ, Maixner W, Smith SB. Pain 2021 May 1;162(5):1528-1538.  doi: 10.1097/j.pain.0000000000002153. 

O artigo discutido nesta resenha procurou investigar a utilização de uma ferramenta simplificada para o agrupamento de indivíduos com características semelhantes (clusters). Esta ferramenta foi desenvolvida em um estudo prévio em pacientes com Disfunção Temporomandibular (DTM)1 e, no presente estudo, foi aplicada para outras duas populações de pacientes com dores crônicas.

Para isso, foram utilizados os dados do estudo de coorte, o OPPERA2, e os clusters foram identificados e caracterizados em um algoritmo de agrupamento: o Rapid OPPERA Algorithm- ROPA1. No presente artigo,  o método ROPA foi aplicado para predição dos clusters em duas populações: uma envolvendo condições complexas de dor persistente (CCDP) e uma de pacientes em busca de tratamento para dores crônicas (BTDC).  

O ROPA requer apenas quatro variáveis para a determinação dos clusters:  limiar de dor à pressão (LDP) do músculo trapézio por meio de algômetro e as escalas de ansiedade, depressão e somatização. As escalas utilizadas nos estudos foram:  SCL-90R (Symptom Checklist- 90) na população CCDP (assim como no estudo OPPERA) e sua versão resumida BSI-18 (Brief Symptom Inventory-18) na população BTDC.

O desenvolvimento do ROPA se concentrou em 1031 pacientes com DTM crônica e 3247 indivíduos sem DTM, que se distinguiram em três clusters: 1- “Adaptativo” (A): representou 33% dos participantes que estavam relativamente livres de hipersensibilidade e sofrimento psicológico; 2- “Sensível à Dor” (SD): representou 48% dos participantes que demonstraram aumento da sensibilidade à dor muscular para estímulos de pressão aplicados experimentalmente; 3-  “Sintomas Globais (SG): 18% do restante dos participantes que relataram aumento da sensibilidade à dor muscular e maior sensibilidade e perturbação psicológica. Os três grupos diferiram na dor relatada, limitações funcionais e condições comórbidas. Outra informação relevante observada durante a formação dos clusters é que indivíduos sem DTM presentes no grupo SG tinham maior risco de desenvolver DTM  ao longo de um período de acompanhamento de quatro anos (razão de risco = 2,8).

O ROPA foi então empregado em 573 indivíduos com CCDP (fibromialgia (FM), migrânea episódica, DTM, síndrome do intestino irritável e vestibulite vulvar) e 258 voluntários saudáveis na Universidade da Carolina do Norte, EUA. A segunda população investigada foi composta por 641 pacientes em busca de tratamento para dor crônica (BTDC) em uma clínica de referência chamada pelos autores de “clínica de vida-real” (Duke Innovative Pain Therapies- EUA), onde os diagnósticos mais comuns eram DTM, fibromialgia, cefaleia e neuralgia trigeminal. 

Os autores observaram que, em ambas as populações CCDP e BTDC, houve a formação dos três clusters definidos pelo ROPA, incluindo aquele com características clínicas mais graves e sofrimento psicológico. Foi observada forte confiabilidade nos agrupamentos formados com valores de 89,6% e 87,5% em CCDP e BTDC, respectivamente. Os agrupamentos se confirmaram como: “adaptável”: com baixa sensibilidade à dor e sofrimento afetivo e “sensibilidade dolorosa”: como resiliente ao estresse emocional e baixo LDP em trapézio, indicando alta sensibilidade muscular. O cluster de “sintomas gerais” exibiu altos níveis de sensibilidade à dor e altas pontuações nas medidas de ansiedade, depressão e somatização.

As mulheres foram mais prevalentes no cluster SG em todas as amostras. A raça não foi significativamente associada a nenhum cluster, apesar de haver um viés de amostra para os pacientes do estudo BTDC, que eram, predominantemente, da raça branca. Idades mais avançadas eram mais frequentes no cluster SG.
O estudo em questão demonstrou a utilidade e validade de uma abordagem simples e aplicável para populações saudáveis e com quadros álgicos. Além disso, permitiu o estabelecimento de agrupamentos que compartilham perfis fenotípicos semelhantes, independentemente da fonte anatômica da dor.

Considerações:
É interessante pensar que o entendimento de processos de sensibilização e de modulação de dor alteram o curso do tratamento de diversas condições dolorosas crônicas. Entretanto, o diagnóstico permanece baseado em critérios anatômicos como DTM, cefaleias e dores lombares, por exemplo. O estabelecimento de perfis fenotípicos vem surgindo como uma estratégia que vai além das classificações atuais e traz à tona a importância dos mecanismos subjacentes relacionados ao processamento da dor e sofrimento psicológico, o que se enquadra dentro do contexto psicossocial da dor.

A fenotipagem é baseada em características individuais semelhantes que agrupa os indivíduos e os distingue em grupos, independente da localização anatômica da dor.  O entendimento desses clusters é extremamente útil na prática clínica, pois identifica, de forma objetiva, indivíduos mais sujeitos a processos de sensibilização central e periférica. Além disso, permite uma abordagem mais objetiva, com encaminhamento imediato para equipe multidisciplinar a fim de potencializar os resultados dos tratamentos.

Segundo os autores, o preenchimento das questões referentes ao ROPA (questionário BSI-18) levaria apenas 5 minutos e estaria ao alcance dos clínicos sem necessidade de extensos questionários ou procedimentos clínicos demorados, como testes quantitativos sensoriais, que requerem prática, treinamento e instrumentais específicos. No entanto, até onde temos conhecimento, essa ferramenta ainda não foi traduzida e validada para o português do Brasil.  O DC/TMD3 apresenta, no seu Eixo II, questionários para avaliação dessas variáveis. O questionário PHQ-9 é empregado para avaliar possíveis sinais de depressão. O GAD-7 avalia níveis de ansiedade e o PHQ-15 é uma escala para avaliação de sintomas somáticos. A confiabilidade desses questionários específicos na formação dos clusters ROPA ainda não foi testada. Estudos futuros poderiam investigar o comportamento dos clusters utilizando esses questionários traduzidos e validados, tornando os aspectos psicossociais mais claros e mensuráveis para o clínico.

Outro ponto do artigo foi o emprego do ROPA em três amostras independentes que variaram em relação ao método de recrutamento, critérios de inclusão e exclusão e aspectos socioeconômicos e demográficos. Portanto, é possível extrapolar esses achados para a prática clínica de diversas condições crônicas. E, independentemente da característica da amostra e da localização da queixa dolorosa, cada cluster foi consistente nas três amostras. Esse achado suporta os conceitos básicos de amplificação da dor e sofrimento psicossocial como contribuintes importantes para a dor crônica nas condições examinadas. Entretanto, outras condições clínicas, como dores neuropáticas e pós-traumáticas, ainda não foram testadas e requerem validação. Segundos os autores, há estudos em andamento para examinar a estabilidade dos clusters ao longo do tempo, mudanças na gravidade do cluster (por exemplo, SG para SD ou A, SD para A) e se essas mudanças corresponderiam clinicamente à melhora relevante dos sintomas e à percepção do paciente sobre seu quadro clínico.

Um promissor cenário para o cirurgião-dentista seria a utilização do algoritmo ROPA em populações especificas com e sem DTM ou, ainda, para predição de risco pré-operatório para manifestação de quadros álgicos (clusters SG), por exemplo.  Além disso, poderia ser utilizado como forma de avaliação de diferentes modalidades terapêuticas. Essas descobertas podem trazer, no futuro, uma ferramenta de tomada de decisão clínica para uma abordagem de saúde mais personalizada.

Referências:
  • Bair E, Gaynor S, Slade G, Ohrbach R, Fillingim R, Greenspan J, Dubner R, Smith S, Diatchenko L, Maixner W. Identification of clusters of individuals relevant to temporomandibular disorders and other chronic pain conditions: the OPPERA study. Pain 2016 jun;157(6):1266-1278. doi: 10.1097/j.pain.0000000000000518
    Epub 2017 Jun 1. PMID: 26928952; PMCID: PMC4949303 
  • Maixner W, Diatchenko L, Dubner R, Fillingim RB, Greenspan JD, Knott C, Ohrbach R, Weir B, Slade GD. Orofacial Pain Prospective Evaluation and Risk Assessment Study: The OPPERA Study. J Pain 2011;12(11, Supplement):T4-T11.e12.
    doi: 10.1016/j.jpain.2011.08.002 Epub 2012 Nov 1
    PMID: 22074751 PMCID: PMC3233836 
  • Schiffman E, Ohrbach R, Truelove E, Look J, Anderson G, Goulet JP, et al. Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (DC/TMD) for Clinical and Research Applications: recommendations of the International RDC/TMD Consortium Network* and Orofacial Pain Special Interest Group†. J Oral Facial Pain Headache. 2014;28(1):6-27. doi: 10.11607/jop.1151. Epub 2015 June 23
    PMID: 24482784  PMCID: PMC4478082
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​Danielle Veiga Bonotto

Professora da ABO-PR; Doutoranda em Odontologia-UFPR; Mestre em Odontologia-UFPR; Especialista em Prótese Dentária FOB-USP;
Especialista DTM e DOF-UFPR.
e-mail: dvbonotto@gmail.com Instagram: @danielle.bonotto
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Rafaela Scariot

Professora do Curso de Odontologia-UFPR; Professora do Programa de Pós-Graduação - UFPR; Doutora e Pós Doutora- PUC-PR; Especialista em CTBMF e Mestre em Odontologia - UFPR.
e-mail: rafaela_scariot@yahoo.com.br Instagram: @rafaela_scariot
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Priscila Brenner Hilgenberg Sydney

Professora do Curso de Odontologia-UFPR; Professora do Programa de Pós-Graduação-UFPR; Doutora, Mestre e Especialista em Reabilitação Oral- FOB- USP, Especialista em DTM & Dor Orofacial FOB-USP.
e-mail: priscilabhs@me.com  Instagram: @priscilabhs