O que estou estudando

Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial em Pessoas Trans

Minha trajetória acadêmica começou em fevereiro de 2019, durante a graduação em Odontologia, quando iniciei minha Iniciação Científica sob supervisão da Profª. Drª Laís Valencise Magri, com a temática afeita à intersecção entre Violência contra a Mulher e Odontologia. Desenvolvemos um projeto de pesquisa com o objetivo de verificar se os dentistas do Serviço Público de Ribeirão Preto possuíam conhecimento acerca dos principais sinais da violência doméstica e as medidas apropriadas ao se depararem com tal situação, abarcando o processo de notificação. Nesse momento cursava o terceiro ano da graduação em Odontologia pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP) e tive o primeiro contato com a área de Disfunção Temporomandibular (DTM) e Dor Orofacial (DOF). A presença notável de pacientes mulheres nesse ambiente clínico, corroborada pela literatura que ressalta essa predominância, aguçou minha compreensão dos impactos sociais e do modelo biopsicossocial da dor crônica.

Persistindo em minha motivação de seguir enfatizando as influências da esfera social à ciência que a Odontologia está inserida, decidi embarcar em uma jornada de pós-graduação no programa em Odontologia Restauradora da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FORP/USP) sob orientação do Prof. Dr. Jardel Francisco Mazzi Chaves e coorientação da Profª. Drª. Lucia Alves da Silva Lara da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP/USP). Desenvolvemos um estudo observacional de coorte prospectivo para compreender os impactos orais e experiência da dor em uma população frequentemente marginalizada e negligenciada no âmbito clínico e na literatura odontológica: a população transgênera.

Transgênera ou trans refere-se à pessoa cuja identidade de gênero é diferente do que lhe foi atribuído no nascimento, ou seja, caracterizada por uma forte e persistente identificação com o gênero oposto atribuído ao nascer, a qual inclui a necessidade, a depender do desejo individual da pessoa trans, de adequação do corpo ao gênero com o qual ela se identifica. Observamos que pesquisas dentro da Odontologia envolvendo a população trans estavam se iniciando. Sabe-se que essa população enfrenta desafios no acesso aos serviços de saúde, devido à falta de respeito ao nome social e à presença de preconceitos. Como também, apresenta índices elevados de fatores psicológicos como estresse e ansiedade. Dos poucos estudos na área Odontológica, destaca-se que a saúde oral é pior quando comparada à população cis.

Parte dessa população opta por realizar a terapia hormonal de afirmação de gênero (THAG), para adquirir características fenotípicas alinhadas com o gênero ao qual se identifica. A THAG modifica o perfil dos esteroides sexuais inerentes ao sexo biológico em trans. No homem trans, a testosterona é utilizada para promover características masculinas, enquanto na mulher trans, o estrogênio é empregado para desenvolver características femininas. Dado que a relação entre a DTM e os esteroides sexuais não está claramente definida na literatura, decidimos por realizar um estudo, acompanhando a população antes e depois da THAG, marcando assim o início do processo de afirmação de gênero. O objetivo da pesquisa é analisar a presença e o comportamento das disfunções temporomandibulares e mudanças estruturais em tecidos moles da face em homens e mulheres em uso de THAG, segundo o protocolo do processo de afirmação de gênero do Ambulatório de Incongruência de Gênero (AING) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP/USP), sob direção da coorientadora Profª. Drª. Lucia.

A amostra está sendo constituída por 41 pacientes homens e mulheres trans, livres de hormônio há pelo menos 6 meses, com idade superior a 18 anos, que iniciaram acompanhamento (caso novo) no ambulatório e estão sendo avaliados no tempo inicial, 3 meses, 6 meses e 1 ano após início da THAG. Para avaliação da DTM, aplicamos o DC/TMD Eixo I, que inclui questionário e exame clínico, juntamente com o Eixo II, utilizando o GAD-7 para avaliar níveis de ansiedade. Além disso, para a análise das mudanças estruturais, incorporamos a tecnologia de estereofotogrametria 3D.

Nossos resultados iniciais indicam que uma considerável parcela da amostra apresentava DTM antes de iniciar a THAG, sendo mais prevalente em homens trans. Mialgia local e deslocamento de disco com redução foram os principais diagnósticos, sendo a DTM dolorosa identificada em metade da amostra. Nos primeiros acompanhamentos, observou-se uma diminuição no número de participantes com DTM, especialmente a dolorosa, principalmente entre os homens trans. Houve também uma pequena redução no índice GAD-7 e ocorreu mudanças de volume facial na mandíbula em homens trans e maxila em mulheres trans.

As barreiras no acesso à saúde, frequentemente relacionadas à discriminação podem favorecer a cronificação da dor orofacial, especialmente diante das flutuações hormonais e estressores próprios do processo de afirmação de gênero nesse contexto. Por essa razão, o profissional que atua em dor orofacial deve sempre pensar em estratégias de acolhimento, visando à melhoria da qualidade de vida de seus pacientes. Esperamos que os achados deste trabalho contribuam com informações sobre diversidade e possam sensibilizar os especialistas na área em relação a abordagem desses pacientes. Ressaltamos a importância de estudos sobre esse tema para informar práticas inclusivas na saúde, capacitando profissionais a oferecer atendimento inclusivo e acolhedor, como, de início, respeitando seus respectivos nomes sociais e pronomes.
 
 
 
 
 
 
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Alex Melo

Minicurrículo

Graduado em Odontologia pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP)

Mestrando em Odontologia Restauradora pela Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FORP/USP)

Especializando em DTM e Dor Orofacial pelo Instituto de Ensino Odontológico de Bauru (IEO/BAURU)

Membro do Lugares de fala

Membro da LADO – Liga Acadêmica de Dor Orofacial

Membro da SBDOF – Sociedade Brasileira de Dor Orofacial

 
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