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Sleep and pain: recent insights, mechanisms, and future directions in the investigation of this relationship

Resenha escrita por: Ana Luíza Gorayb Pereira; Jonatas Silva de Oliveira; Ana Thaís Bagatini; Beatriz Morelli Braga; Daniela Aparecida de Godoi Gonçalves;Giovana Fernandes

Distúrbios do sono e dor crônica estão frequentemente associados e são considerados desafios na saúde pública, sendo de interesse clínico sua investigação, desde que a má-qualidade do sono pode ser um fator de risco para doenças cardiovasculares, demência, obesidade, diabetes, depressão, dor e mortalidade.

O sono é um processo comportamental complexo, essencial para a recuperação física e psicológica, consolidação da memória e modulação emocional. Possui duas fases, com diferentes características fisiológicas, comportamentais, neuroquímicas e eletrofísicas: a “rapid eye movement” (REM), cuja tradução é “movimento rápido dos olhos”; e a “Non-rapid eye movement” (NREM), cuja tradução é “sem movimento rápido dos olhos”. A fase NREM subdivide-se nos estágios N1, N2 e N3. No estágio NREM ocorre a diminuição das atividades cerebrais, pressão sanguínea, batimentos cardíacos e respiração, enquanto o sono REM, é caracterizado pelo aumento da atividade cerebral, instabilidade do fluxo cardíaco, pressão sanguínea e frequência respiratória e hipotonia muscular. Uma noite típica de sono envolve de 3 a 5 ciclos de NREM para REM (90 minutos em média).

Dor é uma experiência sensitiva e emocional desagradável, associada ou semelhante àquela associada, a uma lesão tecidual real ou potencial. A dor crônica (duração superior a 3 meses) afeta cerca de 20% da população mundial e causa um impacto negativo na qualidade de vida e no bem-estar do paciente, afetando o humor, qualidade do sono e atividades diárias.

A relação entre sono e dor é complexa. Estudos registraram mudanças na atividade cerebral em resposta à dor durante o sono, demonstrando interrupções no sono, principalmente nos estágios 1 e 2 do sono NREM. 44% dos pacientes com dor crônica apresentam problemas de sono, tais como: maior latência do sono, menor eficiência, dificuldade para iniciar o sono, despertares frequentes e menor duração do sono. Acredita-se que a relação entre dor e sono é bidirecional, desde que a dor crônica pode perturbar o sono, e a privação do sono pode aumentar a sensibilidade à dor. No entanto, estudos longitudinais apontam para uma visão mais consistente de um efeito unidirecional, em que o sono causa exacerbação da dor. Entre os fatores envolvidos na relação entre dor e sono estão a modulação endógena da dor, inflamação, emoções/humor e as substâncias endógenas (dopamina, orexina, melatonina e vitamina D).

A modulação endógena da dor (MED) é definida como o conjunto de ações do sistema nervoso central (SNC) que afetam o processamento do sinal nociceptivo. MED deficiente pode ser representado por aumento da facilitação da dor ou diminuição da inibição da dor. A insônia parece afetar os mecanismos de modulação da dor, alterando a MED. A diminuição na atividade dos receptores de dopamina, um neurotransmissor e hormônio envolvido em diversas funções do corpo, pode prejudicar a modulação da dor.

Outros neurotransmissores como a serotonina e noradrenalina também estão envolvidos na modulação da dor. A privação de sono representa efeitos importantes no sistema imune, incluindo a memória imune, aumentando o risco de infecções. Também, um aumento na secreção de citocinas pró-inflamatórias (IL-1β, IL-6 e TNF-α) foi observado em um contexto de privação de sono. De maneira geral, alterações do sono podem levar a modificações da resposta imunológica que podem agravar quadros de dor crônica.

Em relação ao humor, dois principais conceitos são apresentados: Afeto Negativo (AN): personalidade associada a emoções negativas; e Afeto Positivo (AP): emoções positivas. Ambos são considerados mediadores importantes na relação entre sono e dor. A falta de sono afeta o AN e o AP, e vice-versa. Essa relação também é observada na dor crônica. AN elevado aumenta a excitação e a hipervigilância em relação à dor, causando sensibilização e incapacidade funcional. Enquanto, o AP elevado atenua a percepção da dor e a resposta emocional negativa à dor, aumentando a resiliência do indivíduo. Portanto, a ausência de AP, expõe os pacientes à piora da dor. Há indícios de que intervenções de tratamento voltadas para melhorar a qualidade do sono podem melhorar o estado emocional dos pacientes o que, por sua vez, poderia levar à redução da dor.

Outras substâncias endógenas também estão envolvidas na relação entre sono e dor. A orexina, neuropeptídeo envolvido em diversas áreas do SNC, também contribui para modulação da dor. A melatonina é um neuro-hormônio que participa do ritmo circadiano por ser sincronizada com o ciclo claro/escuro do ambiente, e interage com diferentes vias envolvidas na dor. A supressão da secreção de melatonina devido à privação do sono, pode agravar a dor. A vitamina D está relacionada ao ciclo sono-vigília e ao processo nociceptivo, principalmente devido ao seu papel na inflamação, e níveis mais baixos estão associados a distúrbios do sono.

O Núcleo accumbens (NAc) é uma região cerebral crítica para a modulação da dor. Estudos recentes demonstraram que a privação do sono pode alterar a função do NAc, afetando o processamento da dor. O direcionamento terapêutico do NAc e de outras áreas cerebrais envolvidas na modulação da dor e do sono pode oferecer novas alternativas para o tratamento da dor crônica. Outros fatores podem mediar a relação entre sono de má-qualidade e dor crônica, entre eles a fadiga (a falta de sono adequada leva ao cansaço, que pode piorar a dor), o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA) e cortisol (o estresse, ativando o eixo HPA e elevando o cortisol, pode prejudicar o sono e intensificar a dor), atividade física (a falta ou o excesso podem afetar tanto o sono quanto a dor), substâncias e medicamentos (cafeína, álcool, nicotina, e certos remédios como opioides) podem interferir na qualidade do sono e no quadro de dor.

Para as perspectivas futuras, sugere-se a necessidade de novos estudos para um melhor entendimento dos mecanismos cerebrais envolvidos na relação entre dor e sono, o que pode contribuir para o desenvolvimento de diagnósticos e tratamentos personalizados para pacientes com dor e distúrbios do sono.

REFERÊNCIAS

Herrero Babiloni A, De Koninck BP, Beetz G, De Beaumont L, Martel MO, Lavigne GJ. Sleep and pain: recent insights, mechanisms, and future directions in the investigation of this relationship. J Neural Transm. 2020;127(4):647- 660.doi:10.1007/s00702-019-02067-z. Epub 2019 Aug 26. PMID: 31452048

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Autores

Ana Luíza Gorayb Pereira
Aluna de pós-graduação no programa de pós-graduação em Odontologia de Odontologia, área de reabilitação oral, da Faculdade de Odontologia de Araraquara (FOAr), UNESP.
E-mail: ana.gorayb@unesp.br; instagram: analuízagorayb

Jonatas Silva de Oliveira
Aluno de pós-graduação no programa de pós-graduação em Odontologia de Odontologia, área de reabilitação oral, da Faculdade de Odontologia de Araraquara (FOAr), UNESP.
E-mail: jonatas.oliveira@unesp.br; instagram: jhonnyoliveeira

Ana Thaís Bagatini
Aluna do programa de pós-graduação em Ciências Odontológicas, área de ortodontia, da Faculdade de Odontologia de Araraquara (FOAr), UNESP.
E-mail: ana.bagatini@unesp.br; instagram: anatais_bagatini

Beatriz Morelli Braga
Aluna de pós-graduação no programa de pós-graduação em Odontologia de Odontologia, área de reabilitação oral, da Faculdade de Odontologia de Araraquara (FOAr), UNESP.
E-mail: bm.braga@unesp.br; instagram: drabeatrizmorellibraga

Daniela Aparecida de Godoi Gonçalves
Professora-Adjunta da Faculdade de Odontologia de Araraquara – UNESP, na área de DTM e Dor Orofacial nos cursos de graduação e pós-graduação e Odontologia. Ex presidente do Neuroscience Group do IADR (Internacional Association for Dental Research).
E-mail: daniela.g.goncalves@unesp.br; instagram: profa.danielagoncalves

Giovana Fernandes Professora
Assistente da Faculdade de Odontologia de Araraquara – UNESP, na área de DTM e Dor Orofacial. Professora colaboradora das disciplinas de DTM e Dor Orofacial do programa de pós-graduação em Odontologia. Capacitada em Odontologia do Sono pelo Instituto do Sono – AFIP.
E-mail: giovana.fernandes1@unesp.br; instagram: dra.giovanafernandes