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Botulinum toxin-A effects on pain, somatosensory and psychosocial features of patients with refractory masticatory myofascial pain: a randomized double-blind clinical trial
Resenha escrita por: Thaís Rosa Frazão Pereira
Objetivo
Este ensaio clínico randomizado duplo-cedo teve como objetivo avaliar a eficácia da toxina botulínica tipo A (BoNT-A) em relação ao placebo, solução salina (SS), na intensidade da dor, nas características somatossensoriais e psicossociais de pacientes com dor miofascial mastigatória (MFP) refratária.
Metodologia
Participaram do estudo 32 pacientes diagnosticados com MFP, com e sem dor referida, de acordo com a versão em português dos Critérios de Diagnósticos para Desordens Temporomandibulares (DC/TMD), que haviam passado pelo menos por 3 tratamentos conservadores, porém ainda apresentavam dor moderada. Os participantes, com média de idade de 43.1 anos, foram randomizados em dois grupos onde um recebeu toxina botulínica (BoNT-A) e o outro, solução salina (SS).
Foram utilizados 80 U de BoNT-A em cada paciente, sendo 30 U em cada músculo masseter e 10 U em cada músculo temporal anterior. O grupo controle recebeu solução salina na quantidade de 0,8 ml. Ambas as substâncias são incolores e com aparência idêntica, impossibilitando diferenciá-las no momento da aplicação. Todas as injeções foram aplicadas nos participantes em um único dia.
Variáveis da dor foram medidas em cada visita através da Escala Visual Analógica (EVA), de 0 a 100 mm, com as indicações “sem dor” e “pior dor imaginável” em cada extremidade. Foram registrados em cada visita: o nível atual de dor, a dor média na semana que precedeu a avaliação e a pior dor no mês que precedeu a avaliação. Também foi utilizada a escala de percepção global de mudança (PGIC), que avalia intensidade da dor, incapacidade nas atividades diárias, deficiências nas atividades sociais, emoções, prevenção do medo e percepção do comportamento de controle.
Segundo estudos anteriores, pacientes com disfunção temporomandibular apresentam maior sensibilidade a estímulos dolorosos mecânicos em comparação ao grupo controle saudável 1, 2-5. Neste estudo, as variáveis somatossensoriais foram realizadas utilizando os seguintes Testes Quantitativos Sensoriais (QST): Limiar Mecânico de Dor (MPT); Wind-Up Ratio (WUR) e Limiar de Dor à Pressão (PPT). Além disso, a modulação de dor foi avaliada através da Modulação Condicionada da Dor (CPM). Os testes foram realizados no músculo masseter mais doloroso e no músculo tenar, localizado na mão. Para os testes MPT e WUR, foram utilizados os monofilamentos padronizados, Semmes–Weinstein, com força entre 0,008 e 300 g/mm2. O PPT foi medido com um algômetro digital, utilizando pressão constante de aproximadamente 0,5 kg/cm2, no ponto mais doloroso no masseter em uma posição mais relaxada. Na avaliação do CPM, o estímulo teste foi o PPT obtido no músculo masseter mais dolorido e músculo tenar da mão dominante, e o estímulo condicionante consistiu na imersão da mão não-dominante na água gelada.
Para avaliar as variáveis psicossociais, utilizaram questionários de Escala de Ansiedade e Depressão (HADS), Inventário de Sensibilização Central (CSI), Escala de Estresse Percebido (PSS), Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh (PSQI), Escala de Catastrofização da Dor (PCS), Questionário de Vigilância e Conscientização da Dor (PVAQ) e o Pesquisa de saúde / qualidade de vida, em versão curta (SF-36).
Resultados
Os dados de base não mostraram diferenças entre os grupos na escala EVA. A mediana da intensidade da dor foi de 76 no grupo de BoNT-A e 70 no grupo SS. Após o tratamento, o grupo BoNT-A teve uma redução significativa para 40 e 28, em 1 e 6 meses, respectivamente. Para o grupo SS a redução pós-tratamento foi de 64 e 56, em 1 e 6 meses, respectivamente. As diferenças entre os grupos foram significativas em ambos os acompanhamentos. O número necessário para tratar (NNT) para se obter pelo menos 50% de redução da dor após a aplicação de BoNT-A foi de 2,7, 1 mês pós-tratamento, e de 1,6, 6 meses pós-tratamento.
Quanto às variáveis somatossensoriais, o grupo da BoNT-A apresentou valores significamente mais elevados do PPT no pós-tratamento e o MPT significamente menos sensível em 1 e 6 meses. Porém, o MPT não apresentou diferença significativa entre os grupos ao longo do estudo. Não houve nenhum efeito entre os grupos na avaliação WUR. No músculo tenar não houve diferença em parâmetro de dor em resposta à estímulos mecânicos. O parâmetro de CPM não apresentou diferença entre os grupos nos dados de base, apenas no acompanhamento de 1 mês, quando o efeito da CPM na região do músculo masseter no grupo de BoNT-A foi maior.
Em relação às variáveis psicossociais, o grupo de BoNT-A mostrou uma melhora significativa ao longo do estudo em todos os questionários utilizados, enquanto o grupo controle não mostrou nenhuma mudança. Na comparação entre os grupos, os questionários CSI, PSQI e SF-36 demonstraram os maiores valores no grupo de BoNT-A.
Nenhum paciente de qualquer grupo interrompeu o estudo por causa de um efeito adverso e nenhum efeito grave foi relatado pelos pacientes. Efeitos considerados desprezíveis foram edema, coceira e dor no local da injeção. Entre efeitos leves houve fraqueza muscular, sorriso assimétrico e dificuldade de engolir.
O mecanismo de melhora dos sintomas depressivos é desconhecido devido à escassez de estudos avaliando esses fatores psicossociais. Sugere-se que a melhora esteja relacionada ao efeito analgésico da BoNT-A 6. Estudos em animais demonstraram que a injeção de BoNT-A em áreas dolorosas inibem a liberação de neurotransmissores e citocinas pró-inflamatórias, promovendo tal efeito 7,8. Além disso, evidências mostram que a BoNT-A tem efeito central na dor ao atingir o sistema nervoso central (SNC) 9,10. Nesse estudo encontrou-se 50% de redução da dor no grupo da BoNT-A. A literatura correlaciona os níveis de educação com a predisposição positiva de sucesso no tratamento, o que foi obtido nesse estudo devido os participantes terem um nível aceitável de educação.
Conclusão
Os resultados desse estudo suportam achados anteriores relatando o efeito da BoNT-A em pacientes com Dor Miofascial Mastigatória refratária. A BoNT-A mostrou-se eficaz em todas as variáveis avaliadas nesse estudo (variáveis da dor, psicossociais e somatossensoriais), com efeitos positivos e superiores ao grupo controle, solução salina.
Conhecer o perfil do paciente e o melhor momento para indicação da BoNT-A, sabendo dos efeitos positivos e adversos, acarreta em benefícios para os nossos pacientes. Porém, não se pode esquecer das opções de tratamentos conservadores e eficazes, que possuímos dentro das terapias das disfunções temporomandibulares de origem muscular.
Referências
Este ensaio clínico randomizado duplo-cedo teve como objetivo avaliar a eficácia da toxina botulínica tipo A (BoNT-A) em relação ao placebo, solução salina (SS), na intensidade da dor, nas características somatossensoriais e psicossociais de pacientes com dor miofascial mastigatória (MFP) refratária.
Metodologia
Participaram do estudo 32 pacientes diagnosticados com MFP, com e sem dor referida, de acordo com a versão em português dos Critérios de Diagnósticos para Desordens Temporomandibulares (DC/TMD), que haviam passado pelo menos por 3 tratamentos conservadores, porém ainda apresentavam dor moderada. Os participantes, com média de idade de 43.1 anos, foram randomizados em dois grupos onde um recebeu toxina botulínica (BoNT-A) e o outro, solução salina (SS).
Foram utilizados 80 U de BoNT-A em cada paciente, sendo 30 U em cada músculo masseter e 10 U em cada músculo temporal anterior. O grupo controle recebeu solução salina na quantidade de 0,8 ml. Ambas as substâncias são incolores e com aparência idêntica, impossibilitando diferenciá-las no momento da aplicação. Todas as injeções foram aplicadas nos participantes em um único dia.
Variáveis da dor foram medidas em cada visita através da Escala Visual Analógica (EVA), de 0 a 100 mm, com as indicações “sem dor” e “pior dor imaginável” em cada extremidade. Foram registrados em cada visita: o nível atual de dor, a dor média na semana que precedeu a avaliação e a pior dor no mês que precedeu a avaliação. Também foi utilizada a escala de percepção global de mudança (PGIC), que avalia intensidade da dor, incapacidade nas atividades diárias, deficiências nas atividades sociais, emoções, prevenção do medo e percepção do comportamento de controle.
Segundo estudos anteriores, pacientes com disfunção temporomandibular apresentam maior sensibilidade a estímulos dolorosos mecânicos em comparação ao grupo controle saudável 1, 2-5. Neste estudo, as variáveis somatossensoriais foram realizadas utilizando os seguintes Testes Quantitativos Sensoriais (QST): Limiar Mecânico de Dor (MPT); Wind-Up Ratio (WUR) e Limiar de Dor à Pressão (PPT). Além disso, a modulação de dor foi avaliada através da Modulação Condicionada da Dor (CPM). Os testes foram realizados no músculo masseter mais doloroso e no músculo tenar, localizado na mão. Para os testes MPT e WUR, foram utilizados os monofilamentos padronizados, Semmes–Weinstein, com força entre 0,008 e 300 g/mm2. O PPT foi medido com um algômetro digital, utilizando pressão constante de aproximadamente 0,5 kg/cm2, no ponto mais doloroso no masseter em uma posição mais relaxada. Na avaliação do CPM, o estímulo teste foi o PPT obtido no músculo masseter mais dolorido e músculo tenar da mão dominante, e o estímulo condicionante consistiu na imersão da mão não-dominante na água gelada.
Para avaliar as variáveis psicossociais, utilizaram questionários de Escala de Ansiedade e Depressão (HADS), Inventário de Sensibilização Central (CSI), Escala de Estresse Percebido (PSS), Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh (PSQI), Escala de Catastrofização da Dor (PCS), Questionário de Vigilância e Conscientização da Dor (PVAQ) e o Pesquisa de saúde / qualidade de vida, em versão curta (SF-36).
Resultados
Os dados de base não mostraram diferenças entre os grupos na escala EVA. A mediana da intensidade da dor foi de 76 no grupo de BoNT-A e 70 no grupo SS. Após o tratamento, o grupo BoNT-A teve uma redução significativa para 40 e 28, em 1 e 6 meses, respectivamente. Para o grupo SS a redução pós-tratamento foi de 64 e 56, em 1 e 6 meses, respectivamente. As diferenças entre os grupos foram significativas em ambos os acompanhamentos. O número necessário para tratar (NNT) para se obter pelo menos 50% de redução da dor após a aplicação de BoNT-A foi de 2,7, 1 mês pós-tratamento, e de 1,6, 6 meses pós-tratamento.
Quanto às variáveis somatossensoriais, o grupo da BoNT-A apresentou valores significamente mais elevados do PPT no pós-tratamento e o MPT significamente menos sensível em 1 e 6 meses. Porém, o MPT não apresentou diferença significativa entre os grupos ao longo do estudo. Não houve nenhum efeito entre os grupos na avaliação WUR. No músculo tenar não houve diferença em parâmetro de dor em resposta à estímulos mecânicos. O parâmetro de CPM não apresentou diferença entre os grupos nos dados de base, apenas no acompanhamento de 1 mês, quando o efeito da CPM na região do músculo masseter no grupo de BoNT-A foi maior.
Em relação às variáveis psicossociais, o grupo de BoNT-A mostrou uma melhora significativa ao longo do estudo em todos os questionários utilizados, enquanto o grupo controle não mostrou nenhuma mudança. Na comparação entre os grupos, os questionários CSI, PSQI e SF-36 demonstraram os maiores valores no grupo de BoNT-A.
Nenhum paciente de qualquer grupo interrompeu o estudo por causa de um efeito adverso e nenhum efeito grave foi relatado pelos pacientes. Efeitos considerados desprezíveis foram edema, coceira e dor no local da injeção. Entre efeitos leves houve fraqueza muscular, sorriso assimétrico e dificuldade de engolir.
O mecanismo de melhora dos sintomas depressivos é desconhecido devido à escassez de estudos avaliando esses fatores psicossociais. Sugere-se que a melhora esteja relacionada ao efeito analgésico da BoNT-A 6. Estudos em animais demonstraram que a injeção de BoNT-A em áreas dolorosas inibem a liberação de neurotransmissores e citocinas pró-inflamatórias, promovendo tal efeito 7,8. Além disso, evidências mostram que a BoNT-A tem efeito central na dor ao atingir o sistema nervoso central (SNC) 9,10. Nesse estudo encontrou-se 50% de redução da dor no grupo da BoNT-A. A literatura correlaciona os níveis de educação com a predisposição positiva de sucesso no tratamento, o que foi obtido nesse estudo devido os participantes terem um nível aceitável de educação.
Conclusão
Os resultados desse estudo suportam achados anteriores relatando o efeito da BoNT-A em pacientes com Dor Miofascial Mastigatória refratária. A BoNT-A mostrou-se eficaz em todas as variáveis avaliadas nesse estudo (variáveis da dor, psicossociais e somatossensoriais), com efeitos positivos e superiores ao grupo controle, solução salina.
Conhecer o perfil do paciente e o melhor momento para indicação da BoNT-A, sabendo dos efeitos positivos e adversos, acarreta em benefícios para os nossos pacientes. Porém, não se pode esquecer das opções de tratamentos conservadores e eficazes, que possuímos dentro das terapias das disfunções temporomandibulares de origem muscular.
Referências
- De la Torre Canales G, Poluha RL, Bonjardim LR, Ernberg M, Conti PCR. Botulinum toxin-A effects on pain, somatosensory and psychosocial features of patients with refractory masticatory myofascial pain: a randomized double-blind clinical trial. Sci Rep. 2024 Feb 20;14(1):4201. doi: 10.1038/s41598-024-54906-z. PMID: 38378855; PMCID: PMC10879180.
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- Restani, L. et al. Evidence for anterograde transport and transcytosis of botulinum neurotoxin A (BoNT/A). J. Neurosci. 31(44), 15650–15659 (2011).
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Já Sou um associado Quero me associarThaís Rosa Frazão Pereira
Graduada pelo Centro Universitário do Estado do Pará – CESUPA, especialista em Prótese Dentária – UNICAMP, especialista em Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial – IEO – Bauru, mestranda em Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial – Faculdade São Leopoldo Mandic – SP. São Leopoldo Mandic Unidade São Paulo.E-mail thaisfrazao_@hotmail.com.
Instagram @dra.thaisfrazao.dtm