O que estou estudando

Dyna Mara Ferreira

Formada em Odontologia há 10 anos, tenho dedicado os últimos sete anos ao estudo, pesquisa e atendimento clínico na área de Disfunção Temporomandibular  (DTM) e Dor Orofacial (DOF). Foi durante a graduação, na Faculdade Integral Diferencial (Teresina-PI), que tive o meu primeiro e breve contato com a área de DOF na disciplina de Oclusão, ministrada por um simpático professor que, naquela época, já esboçava a qualidade de vida como alvo terapêutico do paciente com DTM. Mais tarde, durante a Especialização em Prótese Dental, atendi o meu primeiro paciente com DTM.  A complexidade da doença e a inquietação por não compreendê-la me impulsionaram a escrever o TCC sobre a etiologia das DTM. Neste momento, estava evidente a área da Odontologia a qual eu iria me dedicar. Uma área permeada mais de perguntas que de respostas.

Em seguida, fiz a Especialização em DTM e Dor Orofacial (IEO Bauru), Mestrado e Doutorado em Ciências Odontológicas (FOB-USP), todas essas formações sob a orientação do Prof. Paulo Conti, a quem sou grata pelo ensino e oportunidades. Brevemente, durante o Mestrado pesquisei como estressores mentais afetam a sensibilidade orofacial em indivíduos com DTM. Já no Doutorado, investiguei a combinação de terapias (autocuidado + duloxetina) no tratamento de pacientes com DTM crônica. No final do Doutorado, tive a oportunidade de ser aceita como pesquisadora convidada na Universidade de Aarhus (Dinamarca), período em que participei de pesquisas na área de apneia do sono e DOF, coordenadas pelo Prof. Peter Svensson. 

Dentre as pesquisas realizadas, destaco uma de relevância direta para o contexto de pandemia do COVID-19, onde há uma clara necessidade para o desenvolvimento de telemedicina/odontologia. Além disso, a telemedicina/odontologia é também importante para pessoas que vivem em regiões remotas, onde o atendimento médico e odontológico requer longas horas de viagem. No contexto da dor crônica, isto é particularmente importante considerando as consequências de uma dor crônica não avaliada e tratada. Por exemplo, 50% ou mais dos indivíduos aguardando tratamento para dor apresentam dor intensa, sintomas de ansiedade, depressão e interferência da dor nas atividades cotidianas (1). Recentemente, os esforços em pesquisa têm sido direcionados para o tratamento e acompanhamento remoto de pacientes com dor crônica (2). Isto é obviamente importante para evitar interrupção de tratamento e para promover cuidado remoto de maneira mais efetiva.  Entretanto, um tratamento efetivo só pode ser implementado se o diagnóstico é correto. 

Diante desta necessidade, foi desenvolvido um protocolo remoto para avaliação física de indivíduos com (DTM) e verificação da concordância deste protocolo com o exame padrão ouro para diagnóstico de DTM, o Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorder (DC/TMD). 

O projeto foi idealizado pelo Prof. Yuri Martins Costa, no início da pandemia do COVID-19, e executado na Universidade de Aarhus em colaboração com a equipe do Prof. Peter Svensson: Dr. Fernando Exposto, Dr. Eduardo Castrillon, Ms. Christina Exposto e Muhammed Gokhan. A Universidade de Aarhus é um centro credenciado para treinamento e calibração do DC/TMD. Neste projeto, participei como um dos examinadores.

No estudo, 16 indivíduos (12 com e 4 sem DTM) foram inicialmente avaliados por um examinador experiente e certificado para o exame do DC/TMD e, em seguida, por outros 3 examinadores, que aplicaram os seguintes protocolos em ordem randomizada: exame físico do DC/TMD, protocolo de distanciamento físico (exame físico mantendo 2 metros de distância entre paciente e examinador) e protocolo de vídeo chamada (exame físico conduzido através de vídeo). Para o protocolo remoto – distanciamento físico e por vídeo chamada – os pacientes foram instruídos em como localizar e palpar a própria musculatura mastigatória (masseter e temporal) e articulação temporomandibular (ATM). Além disso, os pacientes foram informados sobre dor, dor familiar, cefaleia, cefaleia familiar, dor referida e ruído articular de acordo com as instruções do DC/TMD. Em seguida, o examinador conduzia o exame físico realizando a palpação das estruturas mastigatórias em si mesmo enquanto o paciente, concomitantemente, imitava o examinador e reportava o resultado. Todos os examinadores foram treinados para o exame do DC/TMD.

Nós encontramos alta concordância (kappa 0.74 a 1.0) entre o protocolo remoto (distanciamento físico e vídeo) e o exame padrão do DC/TMD para diagnóstico de DTM dolorosa (mialgia do masseter, temporal e artralgia da ATM) e baixa concordância (kappa 0.30 a 0.58) para o diagnóstico de deslocamento de disco com redução (DDCR). Esta baixa concordância reflete a dificuldade clínica em diagnosticar DDCR (sensibilidade 0.5) quando comparada ao método diagnóstico padrão outro, a ressonância magnética (3). 

Nosso estudo demonstra que DTM dolorosas podem ser seguramente diagnosticadas através de exame físico remoto via distanciamento físico ou por vídeo chamada. Este protocolo foi desenvolvido considerando as evidências indicando que observar uma ação pode melhorar significativamente a performance da tarefa motora devido à ativação de neurônios espelhos. É importante ressaltar que a avaliação física remota de indivíduos com sintomas de DTM não substitui o exame clínico padrão, já que não contempla todos os detalhes de um exame físico presencial. Contudo, a avaliação física remota oferece a possibilidade de diagnóstico confiável, permitindo o estabelecimento de intervenções remotas iniciais para aqueles indivíduos que não tem acesso a um especialista em DTM e Dor Orofacial. Por fim, este estudo tem importante implicação para o desenvolvimento da telemedicina/odontologia no cuidado dos pacientes com dor musculoesquelética orofacial.

Este trabalho foi publicado na revista da International Association for the Study of Pain (IASP) e pode ser acessado a partir dos seguintes dados: Exposto FG, Castrillon EE, Exposto CR, Costa DMF, Gøkhan MA, Svensson P, Costa YM. Remote physical examination for temporomandibular disorders. Pain. 2021 Aug 23. doi: 10.1097/j.pain.0000000000002455.

Referências: 

1. Choiniere M, Dion D, Peng P, Banner R, Barton PM, Boulanger A, Clark AJ, Gordon AS, Guerriere DN, Guertin MC, Intrater HM, Lefort SM, Lynch ME, Moulin DE, Ong-Lam M, Racine M, Rashiq S, Shir Y, Taenzer P, Ware M. The Canadian STOP-PAIN project—part 1: who are the patients on the waitlists of multidisciplinary pain treatment facilities? Can J Anaesth 2010;57:539–48 

2. Eccleston C, Blyth FM, Dear BF, Fisher EA, Keefe FJ, Lynch ME, Palermo TM, Reid MC, Williams ACC. Managing patients with chronic pain during the COVID-19 outbreak: considerations for the rapid introduction of remotely supported (eHealth) pain management services. PAIN 2020; 161:889–93. 

3. Pupo YM, Pantoja LL, Veiga FF, Stechman-Neto J, Zwir LF, Farago PV, De Luca Canto G, Porporatti AL. Diagnostic validity of clinical protocols to assess temporomandibular disk displacement disorders: a meta- analysis. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol 2016;122:572–86. 
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Dyna Mara Ferreira

  • Doutora em Ciências Odontológicas Aplicadas pela Faculdade de Odontologia de Bauru - Universidade de São Paulo - FOB/USP (2021)
  • Mestre em Ciências Odontológicas Aplicadas pela FOB/USP (2017)
  • Pesquisadora convidada na Universidade de Aarhus, Dinamarca (2021)
  • Especialista em DTM e Dor Orofacial (2016)
  • Graduada em Odontologia pela Faculdade Integral Diferencial (2011)
  • Membro da Sociedade Brasileira de Dor Orofacial - SBDOF
Emial: dynamaraferreira@gmail.com
Instgaram: @dradynamaraferreira