O que estou estudando
Dyanne Medina Flores
Atualmente, sou doutoranda do programa de pós-graduação em Ciências Odontológicas Aplicadas da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB- USP). Atuo como pesquisadora do Bauru Orofacial Pain Group, grupo de pesquisa na área de Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial (DTM/DOF), com a linha de pesquisa em bruxismo da vigília.
Em 2015, formei-me como cirurgiã dentista na cidade de Lima, Peru. Desde pequena, sempre quis ser professora e tive um grande incentivo dos meus professores na graduação. A maioria deles havia se especializado fora do país, pois, no Peru, os programas de pós-graduação são um pouco limitados, carecem de pesquisa e não promovem a vida acadêmica como em outros países. Fui uma das poucas alunas que realizou iniciação científica com pesquisa experimental, in vitro, na área de microbiologia oral. Percebi que gostava da ciência e essa iniciação despertou minha curiosidade pela investigação. Após receber sugestões, vim realizar minha pós-graduação em Bauru, no Brasil.
Aos 22 anos, estava fora do meu país natal e começando minha especialização em prótese dentária, porque, até então, não tinha descoberto a área de dor. Conheci o professor Paulo Conti na FOB/USP, o que foi um divisor de águas em minha vida, pois a especialidade de DTM/DOF ainda não existe no meu país e, na época, não tive contato com esse conteúdo na graduação. Nas faculdades peruanas, ainda se mantem o paradigma da oclusão, como em muitos outros países hispano-americanos. Iniciei minha trajetória na área de dor com um curso de atualização em DTM/DOF com os professores Paulo Conti e Juliana Stuginski. Fui percebendo, aos poucos, quão impressionante e diferente era a dor orofacial e como era importante conhecer a fisiologia do corpo e os processos da neurociência para diagnosticar e tratar os pacientes. Normalmente, o cirurgião dentista é treinado para identificar, planejar e executar, mas, na área da DTM, somos desafiados a pensar. Os casos são cada vez mais complexos e, apenas juntando todas as ferramentas de diagnóstico, conseguimos fechar esse quebra cabeça que nos leva ao correto tratamento e nos permite proporcionar mais qualidade de vida aos pacientes. Foi desta forma que tudo começou e não pensei duas vezes: migrei para a especialização e fui aceita pelo professor Paulo Conti como orientanda de mestrado na FOB/USP. E foi ali que minha aventura como pesquisadora iniciou.
Durante meu mestrado, decidimos trabalhar com a linha de bruxismo da vigília e avaliação momentânea ecológica (AME). Observamos que pesquisas investigando o bruxismo da vigília estavam se iniciando. O bruxismo do sono durante as últimas décadas tem sido bastante conhecido e foi muito estudado. Sabe-se que na atualidade além do bruxismo do sono, o bruxismo da vigília é também prejudicial, pois este se manifesta por uma maior quantidade de horas durante as atividades diárias e está altamente relacionado com fatores psicológicos como por exemplo o estresse e traços de ansiedade (1). Portanto, o estudo deste comportamento oral é de grande relevância, pois aparentemente pode gerar desconforto e predispor os pacientes à DTM.
A pesquisa teve como objetivo avaliar a frequência dos diferentes comportamentos do bruxismo da vigília por meio da AME e analisar o seu impacto na dor e na fadiga muscular dos músculos mastigatórios. Apesar da associação do bruxismo da vigília com a presença de uma DTM dolorosa, os estudos não suportam uma evidência direta da relação entre eles (2). Existem também estudos experimentais que sugerem que a hiperatividade muscular resultante do apertamento dentário de baixa intensidade provoca fadiga muscular em indivíduos saudáveis (3). Hipoteticamente, os comportamentos do bruxismo da vigília estariam diretamente relacionados à fadiga dos músculos mastigatórios, inclusive sendo essa um dos sintomas não dolorosos mais frequentes após tarefas de apertamento dentário sustentado. Mas será que realmente o bruxismo da vigília e o grau de frequência do apertamento tem algum impacto no nível de fadiga dos músculos mastigatórios? Uma alta frequência dos comportamentos do bruxismo da vigília tem impacto na sensibilidade muscular e na analgesia endógena nos pacientes? Devemos sempre condenar unicamente o apertamento como o responsável pelas dores e fadiga dos pacientes?
A amostra foi composta por 150 participantes jovens e assintomáticos. Para a avaliação da dor, foram aplicados testes de sensibilidade muscular e testes para avaliar a analgesia endógena de cada participante através de testes quantitativos (QST) como o limiar de dor a pressão (PPT) e o teste de modulação de dor condicionada (CPM). Para a avaliação da fadiga, foi utilizado um teste de fadiga dos músculos mastigatórios, que consistiu no apertamento dentário sustentado de 30% da força máxima de mordida (FMM) pelo maior tempo possível até atingir fadiga.
A técnica utilizada para a coleta dos dados referentes aos comportamentos do bruxismo da vigília foi a AME realizada por meio de uma plataforma online que permitia a resposta dos participantes através de um aplicativo. A AME é uma técnica que se originou na área da psicologia e, atualmente, está inserida de maneira bastante satisfatória no controle de hábitos e comportamentos orais, mostrando-se como uma ferramenta confiável. Dentre as principais vantagens que esta técnica apresenta é que permite a coleta de informações em tempo real sobre o estado atual do indivíduo no seu ambiente natural, sem necessidade de pedir ao paciente resumir seus sentimentos ou comportamentos (4). A amostra representa com mais precisão o comportamento dos pacientes. Os estudos de laboratório como por exemplo com o uso de eletromiografia, embora proporcionem um bom controle, podem não capturar fielmente os fenômenos do mundo real. Existem ainda detalhes da técnica que vem se aprimorando para otimizá-la ao máximo e poder finalmente instituir a AME como um padrão ouro para o diagnóstico do bruxismo da vigília. Outros instrumentos como a eletromiografia, autorrelato, questionários e sinais e sintomas clínicos também permitem o diagnóstico do bruxismo da vigília; porém, para que o diagnóstico seja definitivo, faz-se necessária uma avaliação instrumental positiva, com ou sem autorrelato e/ou inspeção clínica positiva. (5)
Os resultados foram bem interessantes e estão sob revisão para publicação. Esperamos que os achados deste trabalho contribuam com informações relevantes sobre essa atividade oral tão controversa e que possam levar cientistas e especialistas na área a observarem a relação do bruxismo da vigília com a dor e a fadiga dos músculos mastigatórios.
Referências:
Rofaeel, M., Chow, J.CF. & Cioffi, I. The intensity of awake bruxism episodes is increased in individuals with high trait anxiety. Clin Oral Invest 25, 3197–3206 (2021)
Melo G, Duarte J, Pauletto P, Porporatti AL, Stuginski-Barbosa J, Winocur E, et al. Bruxism: An umbrella review of systematic reviews. J Oral Rehabil. 2019;46(7):666-90.
Svensson P, Burgaard A, Schlosser S. Fatigue and pain in human jaw muscles during a sustained, low-intensity clenching task. Arch Oral Biol. 2001;46(8):773-7.
Shiffman S, Stone A. Ecological momentary assessment in health psychology. Health Psychol. 1998;17(1):3-5.
Lobbezoo F, Ahlberg J, Raphael KG, Wetselaar P, Glaros AG, Kato T, Santiago V, Winocur E, De Laat A, De Leeuw R, Koyano K, Lavigne GJ, Svensson P, Manfredini D. International consensus on the assessment of bruxism: Report of a work in progress. J Oral Rehabil. 2018 Nov;45(11):837-844.
Em 2015, formei-me como cirurgiã dentista na cidade de Lima, Peru. Desde pequena, sempre quis ser professora e tive um grande incentivo dos meus professores na graduação. A maioria deles havia se especializado fora do país, pois, no Peru, os programas de pós-graduação são um pouco limitados, carecem de pesquisa e não promovem a vida acadêmica como em outros países. Fui uma das poucas alunas que realizou iniciação científica com pesquisa experimental, in vitro, na área de microbiologia oral. Percebi que gostava da ciência e essa iniciação despertou minha curiosidade pela investigação. Após receber sugestões, vim realizar minha pós-graduação em Bauru, no Brasil.
Aos 22 anos, estava fora do meu país natal e começando minha especialização em prótese dentária, porque, até então, não tinha descoberto a área de dor. Conheci o professor Paulo Conti na FOB/USP, o que foi um divisor de águas em minha vida, pois a especialidade de DTM/DOF ainda não existe no meu país e, na época, não tive contato com esse conteúdo na graduação. Nas faculdades peruanas, ainda se mantem o paradigma da oclusão, como em muitos outros países hispano-americanos. Iniciei minha trajetória na área de dor com um curso de atualização em DTM/DOF com os professores Paulo Conti e Juliana Stuginski. Fui percebendo, aos poucos, quão impressionante e diferente era a dor orofacial e como era importante conhecer a fisiologia do corpo e os processos da neurociência para diagnosticar e tratar os pacientes. Normalmente, o cirurgião dentista é treinado para identificar, planejar e executar, mas, na área da DTM, somos desafiados a pensar. Os casos são cada vez mais complexos e, apenas juntando todas as ferramentas de diagnóstico, conseguimos fechar esse quebra cabeça que nos leva ao correto tratamento e nos permite proporcionar mais qualidade de vida aos pacientes. Foi desta forma que tudo começou e não pensei duas vezes: migrei para a especialização e fui aceita pelo professor Paulo Conti como orientanda de mestrado na FOB/USP. E foi ali que minha aventura como pesquisadora iniciou.
Durante meu mestrado, decidimos trabalhar com a linha de bruxismo da vigília e avaliação momentânea ecológica (AME). Observamos que pesquisas investigando o bruxismo da vigília estavam se iniciando. O bruxismo do sono durante as últimas décadas tem sido bastante conhecido e foi muito estudado. Sabe-se que na atualidade além do bruxismo do sono, o bruxismo da vigília é também prejudicial, pois este se manifesta por uma maior quantidade de horas durante as atividades diárias e está altamente relacionado com fatores psicológicos como por exemplo o estresse e traços de ansiedade (1). Portanto, o estudo deste comportamento oral é de grande relevância, pois aparentemente pode gerar desconforto e predispor os pacientes à DTM.
A pesquisa teve como objetivo avaliar a frequência dos diferentes comportamentos do bruxismo da vigília por meio da AME e analisar o seu impacto na dor e na fadiga muscular dos músculos mastigatórios. Apesar da associação do bruxismo da vigília com a presença de uma DTM dolorosa, os estudos não suportam uma evidência direta da relação entre eles (2). Existem também estudos experimentais que sugerem que a hiperatividade muscular resultante do apertamento dentário de baixa intensidade provoca fadiga muscular em indivíduos saudáveis (3). Hipoteticamente, os comportamentos do bruxismo da vigília estariam diretamente relacionados à fadiga dos músculos mastigatórios, inclusive sendo essa um dos sintomas não dolorosos mais frequentes após tarefas de apertamento dentário sustentado. Mas será que realmente o bruxismo da vigília e o grau de frequência do apertamento tem algum impacto no nível de fadiga dos músculos mastigatórios? Uma alta frequência dos comportamentos do bruxismo da vigília tem impacto na sensibilidade muscular e na analgesia endógena nos pacientes? Devemos sempre condenar unicamente o apertamento como o responsável pelas dores e fadiga dos pacientes?
A amostra foi composta por 150 participantes jovens e assintomáticos. Para a avaliação da dor, foram aplicados testes de sensibilidade muscular e testes para avaliar a analgesia endógena de cada participante através de testes quantitativos (QST) como o limiar de dor a pressão (PPT) e o teste de modulação de dor condicionada (CPM). Para a avaliação da fadiga, foi utilizado um teste de fadiga dos músculos mastigatórios, que consistiu no apertamento dentário sustentado de 30% da força máxima de mordida (FMM) pelo maior tempo possível até atingir fadiga.
A técnica utilizada para a coleta dos dados referentes aos comportamentos do bruxismo da vigília foi a AME realizada por meio de uma plataforma online que permitia a resposta dos participantes através de um aplicativo. A AME é uma técnica que se originou na área da psicologia e, atualmente, está inserida de maneira bastante satisfatória no controle de hábitos e comportamentos orais, mostrando-se como uma ferramenta confiável. Dentre as principais vantagens que esta técnica apresenta é que permite a coleta de informações em tempo real sobre o estado atual do indivíduo no seu ambiente natural, sem necessidade de pedir ao paciente resumir seus sentimentos ou comportamentos (4). A amostra representa com mais precisão o comportamento dos pacientes. Os estudos de laboratório como por exemplo com o uso de eletromiografia, embora proporcionem um bom controle, podem não capturar fielmente os fenômenos do mundo real. Existem ainda detalhes da técnica que vem se aprimorando para otimizá-la ao máximo e poder finalmente instituir a AME como um padrão ouro para o diagnóstico do bruxismo da vigília. Outros instrumentos como a eletromiografia, autorrelato, questionários e sinais e sintomas clínicos também permitem o diagnóstico do bruxismo da vigília; porém, para que o diagnóstico seja definitivo, faz-se necessária uma avaliação instrumental positiva, com ou sem autorrelato e/ou inspeção clínica positiva. (5)
Os resultados foram bem interessantes e estão sob revisão para publicação. Esperamos que os achados deste trabalho contribuam com informações relevantes sobre essa atividade oral tão controversa e que possam levar cientistas e especialistas na área a observarem a relação do bruxismo da vigília com a dor e a fadiga dos músculos mastigatórios.
Referências:
Rofaeel, M., Chow, J.CF. & Cioffi, I. The intensity of awake bruxism episodes is increased in individuals with high trait anxiety. Clin Oral Invest 25, 3197–3206 (2021)
Melo G, Duarte J, Pauletto P, Porporatti AL, Stuginski-Barbosa J, Winocur E, et al. Bruxism: An umbrella review of systematic reviews. J Oral Rehabil. 2019;46(7):666-90.
Svensson P, Burgaard A, Schlosser S. Fatigue and pain in human jaw muscles during a sustained, low-intensity clenching task. Arch Oral Biol. 2001;46(8):773-7.
Shiffman S, Stone A. Ecological momentary assessment in health psychology. Health Psychol. 1998;17(1):3-5.
Lobbezoo F, Ahlberg J, Raphael KG, Wetselaar P, Glaros AG, Kato T, Santiago V, Winocur E, De Laat A, De Leeuw R, Koyano K, Lavigne GJ, Svensson P, Manfredini D. International consensus on the assessment of bruxism: Report of a work in progress. J Oral Rehabil. 2018 Nov;45(11):837-844.
Dyanne Medina Flores
- Graduada pela Universidade Peruana de Ciencias Aplicadas (UPC)
- Especialista em Prótese Dentária pela Fundação Bauruense de Odontologia/ Universidade de São Paulo (FUNBEO/USP)
- Especialista em DTM e Dor Orofacial pelo Instituto de Ensino Odontológico de Bauru (IEO/BAURU)
- Mestre em Ciências Odontológicas Aplicadas, Área de concentração: Reabilitação Oral pela Faculdade de Odontologia de Bauru/Universidade de São Paulo. (FOB/USP)
- Doutoranda em Ciências Odontológicas Aplicadas, Área de concentração: Reabilitação Oral pela Faculdade de Odontologia de Bauru/Universidade de São Paulo. (FOB/USP)
- Membro do Bauru Orofacial Pain Group
Email: dmedinafl@gmail.com
Instagram: @dyannemedina
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