O que estou estudando

Marcella Santos Januzzi

Minha trajetória acadêmica foi iniciada em março de 2015, ao ingressar na Faculdade de Odontologia de Araçatuba (FOA/UNESP). Logo nos primeiros anos, já comecei a trilhar os caminhos da pesquisa através da Iniciação Científica. Fui bolsista FAPESP (processo: 2017/13764-0) sob a supervisão da Profª. Drª. Karina Helga Turcio de Carvalho, do Departamento de Materiais Odontológicos e Prótese, e o projeto teve ênfase em Disfunção Temporomandibular (DTM). Desenvolvemos um projeto de pesquisa cujo principal objetivo era verificar se a presença de pensamentos catastróficos poderia ser uma consequência da experiência dolorosa vivida pelos pacientes com DTMs musculares e não apenas um dos fatores de predisposição à dor. Recentemente, este trabalho foi aceito pela Journal of Clinical and Experimental Dentistry e está em processo de publicação na revista. Nele, observamos que os domínios de ruminação e magnificação, do questionário de Catastrofização da Dor (PCS), aumentaram a hipótese dos pacientes reportarem dor. 

Finalizada minha graduação em dezembro de 2019, ingressei no Programa de Pós-graduação em Odontologia, na área de concentração de Prótese Dentária, com projeto  de mestrado na linha de pesquisa  “Função e disfunção do sistema estomatognático: epidemiologia, avaliação, diagnóstico e tratamentos”, também sob a orientação da Profª. Drª. Karina e coorientação da Profª. Drª. Daniela Micheline dos Santos.

Com a chegada da pandemia de COVID-19, os projetos clínicos foram suspensos e a necessidade de isolamento social tornou-se obrigatória. Nossos encontros eram apenas virtuais e, durante nossas reuniões científicas, questionamos o impacto emocional que o isolamento traria para a população em geral, mas, principalmente, para o desenvolvimento e agravamento das DTMs. A partir disso, foi desenvolvido um estudo epidemiológico transversal publicado na Journal of Applied Oral Science (http://dx.doi.org/10.1590/1678-7757-2021-0122) em junho de 2021. Nesse estudo, de um total de 2301 participantes, pelo menos 15% apresentaram níveis graves ou extremamente graves de angústia emocional, detectados pelo questionário de Escala Emocional (DASS-21). E, durante a pandemia, 53,2% relataram uma sensação de piora na dor e 31,8% referiram que a dor orofacial começou após esse período.

Após o retorno das atividades presenciais na Universidade, o Núcleo de Diagnóstico e Tratamentos das DTMs, coordenado pela Profª. Karina Helga Turcio, com subcoordenação da Profª. Drª. Aimeé Maria Guiotti e colaboração de outros professores, em especial do Prof. Dr. Paulo Renato Junqueira Zuim, houve um aumento considerável do número de atendimentos à população. Quadros de mialgia local, dor miofascial, deslocamentos de disco, acompanhados de bruxismo tônico e/ou fásico, foram recorrentes na clínica desde a pandemia até os dias atuais. Participei desses  atendimentos juntamente com toda a equipe multidisciplinar presente. Além desse projeto de extensão, também realizei atendimentos clínicos no Centro de Oncologia Bucal (COB) da FOA/UNESP, que visa a reabilitação de pacientes com câncer de cabeça e pescoço submetidos ao tratamento oncológico.

Motivada pelas duas temáticas (câncer e dor orofacial) e incentivada pelas minhas orientadoras, desenvolvemos um projeto de mestrado focado nessas condições. O objetivo principal do estudo consistiu em avaliar possíveis alterações na mobilidade mandibular e na função sensorial em pacientes submetidos ao tratamento oncológico. Com relação à mobilidade mandibular, foram realizadas avaliações objetivas da abertura bucal, por meio do paquímetro digital (abertura em mm), e subjetivas, através do questionário de Trismo de Gothenburg (GTQ), para verificar o aparecimento do trismo no decorrer do tratamento oncológico. As medidas subjetivas foram as que mais sofreram alterações, principalmente em pacientes com estadiamentos clínicos mais avançados do tumor, corroborando a literatura científica.

Já no estudo na função sensorial, a pesquisa tornou-se inovadora. Com a ausência de estudos com essa metodologia, objetivamos analisar se a localização do tumor apresentava alguma influência na dor provocada por testes sensoriais quantitativos (QST) em superfícies da face. Por meio dos nossos resultados, verificamos que, em uma parcela dos pacientes, o nível de dor em regiões musculares compreendidas pelos músculos masseter, temporal e esternocleidomastoideo, era mais elevado do lado da localização do tumor, quando comparado ao lado não afetado.

Este achado deve ser visto como um alerta de suma importância para os cirurgiões-dentistas, visto que a dor oncológica deve sempre estar no rol dos diagnósticos a serem investigados em pacientes com dor orofacial inexplicável e intratável. Tal fato assume relevância considerando que o câncer de cabeça e pescoço é o sexto tipo mais comum de câncer, com ocorrência de aproximadamente 650 mil novos casos por ano no mundo. De maneira semelhante, no COB, os casos também foram frequentes,  com 98 pacientes diagnosticados com esse tipo de câncer no período de setembro/2020 a junho/2022. O profissional que atua em Dor Orofacial deve sempre estar atento aos critérios de diagnósticos científicos, não podendo deixar de se atentar e investigar sinais e/ou sintomas de dor que escapem, mesmo que levemente, dos critérios estabelecidos para dor orofacial não oncológica, pois estes sinais podem representar “red flags” (sinais de alerta importantes).  Toda a metodologia aplicada e os resultados na íntegra podem ser encontrados no Repositório Institucional da Unesp (http://hdl.handle.net/11449/236655).

Por fim, aproveito esse espaço para ressaltar a importância do estudo sobre esse tema, visando sempre a melhoria da qualidade de vida dos pacientes com dor orofacial. Espero escrever novamente para vocês relatando novas descobertas nessa área tão complexa e encantadora!
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Marcella Santos Jacuzzi

  • ​Cirurgiã-Dentista pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (FOA/UNESP) (2019).
  • Mestre em Prótese Dentária pela FOA/UNESP (2020-2022)
  • Especialista em Prótese Dentária com ênfase em Odontologia Digital pela Faculdade de Tecnologia de Sete Lagoas (FACSETE) (2022).
  • Membro do corpo clínico e pesquisadora no Núcleo de Diagnóstico e Tratamento das DTMs (FOA/UNESP, Araçatuba, São Paulo) e no Centro de Oncologia Bucal (FOA/UNESP, Araçatuba, São Paulo).
E-mail: ms.januzzi@unesp.br
Instagram: @marcellajanuzzi