O que estou estudando

Alexandre Vieira Resende

Volume III Número XIII - Publicação realizada em 19/10/2021

Depois de me formar em Odontologia, eu me especializei em Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais e Odontopediatria. Fiz o doutorado em genética com ênfase em genética humana e em meu pós-doutorado trabalhei com genética humana molecular; nesse ponto eu já não atendia pacientes e assim me tornei um cientista em tempo integral.
 
Consegui me estabelecer na Universidade de Pittsburgh onde a minha função principal era iniciar um programa de pesquisa inde- pendente e visível, estabelecendo três linhas de trabalho: (i) entender a etiologia de fissura labiopalatina através da avaliação de variações na dentição e tentar desvendar a razão pela qual familias que tem alguém que nasceu com fissura relatam a ocorrência de mais casos de câncer; (ii) entender porque certas pessoas são mais suscetíveis à doenças e/ou defeitos dentários, orais e/ou craniofaciais; e (iii) entender porque determinados tratamentos odontológicos não funcionam para determinadas pessoas.
 
Um dos projetos, que se iniciou pela avaliação de indivíduos com deformidades craniofaciais que requeriam desde apenas tratamento ortodôntico até tratamento ortodôntico associado à cirurgia ortognática (em colaboração com um amigo ortodontista na Filadelfia e seus colegas cirurgiões buco-maxilofaciais de Lille (França), nos mostrou que indivíduos com disfunção da articulação temporo- mandibular (DTM) associada a essas deformidades craniofaciais mais frequentemente apresentam determinadas variantes genéticas. Nós fomos os primeiros a mostrar que prognatismo mandibular se associa a um gene de miosina (do tipo 1H) e esses nossos resultados foram independentemente replicados em várias populações humanas e até no peixe zebra.
 
Nossos estudos continuaram a evoluir nessa área e também mostraram que outras variantes genéticas em outros genes se associam com casos de assimetria da face e/ou DTM. Diferentes associações genéticas podem ser encontradas dependendo se a pessoa apresen- ta uma assimetria no corpo da mandíbula, se a assimetria está associada a diferentes formas geométricas do côndilo da mandí- bula, se a face assimétrica tem a forma de “C” ou se o paciente apre- sentar outras assimetrias atípicas. Indivíduos com um perfil de face convexo e uma maloclusão do tipo classe II parecem apresentar mais comumente os alelos menos comuns de uma mutação comum na população da actina 3. O mesmo se vê para pessoas com uma maior quantidade de fibras do tipo II no músculo masseter. O oposto se viu em indivíduos com mordida profunda, que tinham uma menor chance de ter essa mesma mutação. O interessante é que pessoas que têm essa mesma mutação na actina 3 tem uma maior facilidade de correr longas distâncias.
 
Maratonistas olímpicos tem uma maior chance de ter duas cópias dessa mutação da actina 3. Talvez um dos resultados mais interessantes até agora tenha sido a demonstração de que certos genes se associam com o fato de uma DTM surgir ou piorar após tratamento envolvendo uma cirurgia ortognática. Um desses genes é um receptor de estrogênio, que é um dos hormônios sexuais femininos. Indivíduos com variantes em marcadores desse receptor de estrogênio sentiram sua DTM piorar após tratamento por cirurgia ortognática. Parece não ser coincidência que são as mulheres as que mais buscam ajuda profissional para tratar DTM.
 
Outro caso se relaciona a indivíduos com variação recessiva em um gene de formação de cartilagem, que se mostraram “protegidos” contra o surgimento da DTM após tratamento por cirurgia ortognática. Eu tive a chance de expandir esses estudos com colegas aí do Brasil e várias dessas associações foram replicadas para definições clínicas de DTM e atralgia.
 
Um resumo desses estudos foi incluído em um capítulo do livro “Genetic Basis of Oral Health Conditions” (lançado no início de 2020), onde escrevi sobre a influência genética em doenças orais.
 
Com os anos, a oportunidade também surgiu de criar uma estrutura para estudar casos de neuralgia do trigêmeo clássica. Já temos amostras biológicas de mais de 500 casos e os primeiros resultados desse estudo coorte, ainda não publicado, mostram que mutações em um gene de canal de sódio (que foi relatado como explicando os casos de neuralgia do trigêmeo) têm uma frequência baixa na população geral, menor que 1%. Outra área de interesse é usar o perfil de doença das pessoas, incluindo definições de DTM, para identificar genes que se associam à doença humana, em especial genes relacionados à resposta inflamatória.
 
Atualmente estamos desenhando projetos para avaliar respostas aos tratamentos que existem para DOF e as DTM. Esses esforços incluem o fortalecimento de nossas colaborações institucionais, como a que temos com o Dr. Ricardo Tesch de Petrópolis, RJ. Existe uma lacuna importante no conhecimento de quais indicadores podem ser usados para antecipar resultados satisfatórios versus resultados indesejáveis para os pacientes sofrendo de DTM. Nosso objetivo em um futuro próximo é ajudar a determinar quais biomarcadores permitem determinar quais são os indivíduos com mais chances de responder melhor a determinadas terapias para as DTM e Dor Orofacial. Até lá, espero ter a chance de interagir com os colegas do Brasil interessados em pesquisas nessa área.

Alexandre Vieira Resende

Cirurgião-Dentista formado na UFRJ em 1991, Doutor em Genética Humana com Pós Doutorado na University of Iowa (USA), Professor Titular e Diretor de Pesquisa Clínica na School of Dental Medicine, University of Pittsburgh. Coordena e desenvolve pesquisas com parcerias em cinco continentes, tendo criado o inovador projeto de Registro Dental e Repositório de DNA (DRDR), com mais de 6700 participantes que é reconhecido mundialmente. Publicou mais de 350 artigos em revistas de elevado impacto científico, tendo como linhas de pesquisa fissuras labiopa- latinas, susceptibilidade individual às doenças orais e o impacto da saúde geral na saúde oral. Pelo conjunto desse trabalho já recebeu várias premiações internacionais.