Ebook DTM

5 - Diagnóstico e Classificação da DTM

Autores: Camila Maria Bastos Machado de Resende e Paula Cristina Jordani Ongaro

Disfunção Temporomandibular (DTM): Conjunto de condições que envolvem os músculos da mastigação, articulação temporomandibular (ATM) e estruturas associadas1.

Os indivíduos com DTM podem apresentar um ou mais dos seguintes sintomas:

Dificuldade, dor ou limitação para abrir, fechar ou movimentar a boca, ruídos nas ATM (som de estalo, areia), travamento da mandíbula (aberto, fechado), dores na face e próximo ao ouvido, cansaço nos músculos da face, certos tipos de dor de cabeça, dentre outros1.
 

A dor é o sintoma mais comum e a maior razão pela qual o paciente procura o profissional da saúde.  Imagine agora o paciente diante de você. Sabe como conduzir o processo diagnóstico de avaliação para a DTM? Nem sempre essa é uma tarefa fácil.

O paciente com dor pode apresentar alterações psicológicas, cognitivas e emocionais, o que pode resultar em uma dificuldade diagnóstica. Outro ponto que pode gerar dificuldades é a falta de formação específica na área nos cursos de graduação e de pós-graduação. A ausência de treinamento sobre os procedimentos, e até mesmo dos critérios de diagnósticos, pode acarretar um tempo longo de idas e vindas entre consultas por parte dos pacientes até que consigam um correto diagnóstico e terapia adequada2.

O diagnóstico da DTM é essencialmente clínico (Figura 1) e deve incluir anamnese (70% das informações para a hipótese diagnóstica são obtidas nesta etapa) com investigação detalhada dos sintomas. O profissional deve ouvir o paciente com atenção, direcionando a história clínica, quando necessário. Além da anamnese, é necessária um exame físico cuidadoso, com confirmação das fontes de origem da dor, por exemplo. Em alguns casos, exames de imagem como tomografia e ressonância magnética podem ser necessários para o diagnóstico de alterações articulares. Não se pode esquecer da avaliação do perfil psicossocial do paciente (avaliação de sintomas de ansiedade, depressão)1,2.

Os passos abaixo podem ser úteis como um guia para condução dos exames e avaliações, podendo contribuir com o obtenção de uma hipótese diagnóstica.

Passo 1: Detectar a queixa principal do paciente (O que o trouxe aqui?) ou as queixas principal e secundárias em ordem de prioridade (O que mais quer melhorar? E o que quer melhorar em segundo lugar?). Para cada queixa estabelecida, conduzir avaliações adicionais para ampliar a investigação.

Passo 2:  Anamnese

A. História médica e cirúrgica (saúde geral; comorbidades associadas que podem gerar manifestações orofaciais, como, por ex:fibromialgia, artrite reumatoide).
B. Medicamentos utilizados (atualmente e no passado, especificando doses. Importante averiguar se o medicamento não apresentou efeito positivo, pois a dose estava inadequada ou medicamento apresentou algum efeito colateral).
C. História psicossocial (aspectos psicológicos e sociais, como, por exemplo: ansiedade, catastrofização, atividade física, lazer).
D. Qualidade do sono (pode usar escalas validadas como oÍndice de Qualidade do Sono de Pittsburgh – PSQI).
E. Histórico familiar (doenças com fatores genéticos importantes, como, por exemplo, artrites inflamatórias, migrânea).
F. Histórico odontológico (tratamentos prévios; traumas na região da cabeça; dor após longas consultas, atitude do paciente frente a tratamentos anteriores, acidentes automobilísticos, etc).
G. Histórico pessoal e ocupacional (profissão, número de filhos, estado civil).
H.Hábitos parafuncionais e posturais (bruxismo em vigília, bruxismo do sono, roer unhas, mascar chicletes, segurar objetos entre os dentes, posição à frente do computador).
I. Mudanças recentes, como por exemplo, emprego, finanças, casamento/divórcio, falecimento)
J. Características da dor/sintoma:

1. Início (quando começou e o acontecimento temporal relacionado. Ex: há 1 ano, na mesma época em que perdi o emprego)
2. Localização da dor ou sintoma. Ex: Masseter direito
3. Intensidade da dor ou sintoma. O ideal é que se use alguma escala para mensurar. Ex: Escala Visual Analógica (EVA): dor no momento, dor média e a pior dor nos últimos 30 dias.

Duração da dor (Ex: dura horas).

4. Frequência (Ex: diariamente).
5. Qualidade da dor (Ex: pressão; latejante; em peso)
6. Fator de melhora (Ex: repouso) 
7. Fator de piora (Ex: mastigar, estresse).
8. Sintomas associados (Ex: sintomas autonômicos: náusea, lacrimejamento)
9. Resultados a tratamentos prévios (houve melhora?). 

Passo 3: Exame Físico (Investigação da fonte da dor)

A. Inspeção geral da cabeça e pescoço (assimetrias, linfonodos). Observar, por exemplo, presença de masseter hipertrofiado, linfonodos submandibulares aumentados, etc.
B. Avaliação das ATM

a. Movimentação, observando trajetória e amplitude dos movimentos, e presença de dor. Caso o paciente relate sentir dor ao movimento, perguntar se a mesma é familiar à sua queixa. Dor familiar refere-se à reprodução da queixa, ou dor semelhante à sua queixa, no mesmo local, nos últimos 30 dias3. Ex: abertura com desvio corrigido, abertura máxima assistida de 30 mm com dor familiar, lateralidade restrita e acompanhada de dor familiar).
b. Sons articulares detectados por meio de palpação manual durante os movimentos de abertura, fechamento, lateralidade e protrusão. Ex: estalidos, crepitação, hipertranslação.
c. Sensibilidade dolorosa à palpação em polo lateral e posterior verificando a intensidade de dor e se a mesma é familiar à queixa. É importante calibrar a força de palpação:  0,5 kg para polo lateral e 1 kg ao redor do polo lateral1.

C. Palpação dos músculos mastigatórios (calibrar força de palpação em 1 Kg)1. Verificar a intensidade, se a dor é familiar, se a dor se espalha para outros locais. Ex: dor severa, familiar e referida para os dentes superiores posteriores do mesmo lado da palpação muscular.

D. Testes diagnósticos, caso necessário2:

a. Sobrecarga articular
b. Reposicionamento mandibular anterior
c. Movimentos contra a resistência
d. Crioterapia anestésica
e. Bloqueio anestésico para diagnóstico

E. Avaliação cervical

a. Músculo Esternocleidomastóideo ( palpação por pinçamento de toda extensão do músculo)
b. Trapézio (pinçamento da porção superior)

F. Avaliação clínica intra bucal (dentes, mucosa, língua, oclusal) procurando por possíveis dores odontogênicas, facetas de desgaste, ceratose da mucosa jugal.

G. Avaliação dos pares de nervos cranianos (caso necessário)  

Passo 4: Exames complementares, os quais deverão ser solicitados quando puderem modificar a conduta clínica. Ex: ressonância nuclear magnética (para observação de tecidos moles e duros); tomografias computadorizadas, especialmente de feixe cônico (para avaliação de tecidos duros). Solicitar apenas se houver uma hipótese diagnóstica a ser esclarecida pelo exame de escolha. Também é importante que o profissional seja capaz de avaliar as independentemente do laudo.

Durante o exame clínico é também relevante observar os seguintes aspectos:

- Piora da dor com a função, seja durante ou após a mastigação, fala, abertura bucal, fechamento, protrusão, lateralidade, etc.
- Reprodução da dor (queixa do paciente) através do exame físico, por meio de sensibilidade à palpação ou durante a avaliação dos movimentos mandibulares.
- Proporção entre estímulo e dor. Quanto maior a pressão, maior a  sensibilidade dolorosa.

Resumindo:

Requisitos básicos da DTM dolorosa observados no exame clínico: a dor piora com a função, é reproduzida por palpação ou movimentos mandibulares durante o exame clínico e, quanto maior a pressão aplicada, maior será a dor percebida.

Foram citados alguns pontos importantes e exemplos dentro dos tópicos investigados na anamnese e exame clínico. Para aprofundamento, sugerimos que conheça os Critérios para Diagnóstico para Disfunção Temporomandibular (DC/TMD) que já apresenta sua versão traduzida para o Português brasileiro. O DC/TMD é um instrumento validado para avaliação e classificação da DTM e inclui questionários para triagem, questionários de sintomas, ficha clínica para exame físico, questionários para avaliação de sintomas psicológicos, comportamentos orais, incapacidade e intensidade de dor, além de um algoritmo que auxilia no diagnóstico.3

Agora que já foi exposto um protocolo a ser seguido para a avaliação clínica, será necessário conhecer as principais classificações das DTM para que, durante esse processo, a hipótese diagnóstica possa ser  formulada.
Além dos critérios de diagnóstico do DC/TMD, mais recentemente foi traduzido para o Português brasileiro a
Classificação Internacional de Dor Orofacial (ICOP)5, que traz não só critérios para as DTM dolorosas como também critérios para outras dores orofaciais, importante para diagnóstico diferencial da DTM.

⠀ Abaixo ilustramos as principais classificações da DTM segundo DC/TMD3 e a ICOP5.

A avaliação clínica deve seguir critérios de diagnóstico/classificação para que possamos uniformizar os achados. Além disso, eles facilitam a comunicação com outros profissionais e nos guiam quanto ao manejo da DTM e de outras condições como as cefaleias atribuídas à DTM. O diagnóstico e o controle precoce podem evitar que a dor e as alterações funcionais relacionadas à DTM evoluam para uma condição de cronificação.
 


 
  • Figura 1: Processo diagnóstico da Disfunção Temporomandibular
  • *Critérios de Diagnóstico para Disfunção Temporomandibular (DC/TMD), Classificação Internacional de Dor Orofacial (ICOP).

Camila Maria Bastos Machado de Resende

Doutora em Ciências Odontológicas e Mestre em Odontologia – Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Especialista em Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial – Bauru Orofacial Pain Group . Especialista em Prótese Dentária – Associação Brasileira de Odontologia - Ceará,.Professora de graduação do Instituto de Ensino Superior de Brasília e de Pós-Graduação do Instituto Ária.

cmbmachado@hotmail.com  
@dtmbruxismocamilaresende
@camilambmresende

 

Paula Cristina Jordani Ongaro

Mestre e Doutora em Reabilitação Oral pela Faculdade de Odontologia de Araraquara -  Unesp.
paulajordani@gmail.com  
@paulajordaniongaro
.
 

​Referências Bibliográficas:

  1. Leeuw R, Klasser G, editors. Orofacial pain: guidelines for assessment, diagnosis, and management. 6th ed. Chicago: Quintessence; 2018.
  2. Conti P. DTM: Disfunções temporomandibulares e dores orofaciais: aplicação clínica das evidências científicas. Maringá: Dental Press; 2021.
  3. Ohrbach R, editor. Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders: Assessment Instruments. Version 15May2016. [Critérios de Diagnóstico para Desordens Temporomandibulares: Protocolo Clínico e Instrumentos de Avaliação: Brazilian Portuguese Version 25May2016] Pereira Jr. FJ, Gonçalves DAG, Trans. www.rdc-tmdinternational.org Accessed on <date>. Lobbezoo F, Ahlberg J, Raphael KG, Wetselaar P, Glaros AG, Kato T, et al. International consensus on the assessment of bruxism: report of a work in progress. J Oral Rehabil. 2018 Nov;45(11):837-44. https://doi.org/10.1111/joor.12663.
  4.  Orofacial T, Classification P. International Classification of Orofacial Pain, 1st edition (ICOP). Cephalalgia. 2020;40(2):129-221. doi:10.1177/0333102419893823
  5. Gonçalves DAG, Conti PCR, Conti AC de CF, Cunha CO, Rubira CMF, Costa DMF, Fernandes G, Braido GV do V, Bullen IRFR de, Spavieri JHP, Proença J dos S, Barbosa JS, Bonjardim L, Campi LB, Duarte MAH, Peres MFP, Ongaro PCJ, Poluha RL, Vivan RR, Tartari T, Lima TAC de, Costa YM. Classificação Internacional de Dor Orofacial, Primeira Edição (ICOP) - versão Português Brasileiro. HM [Internet]. 2022 Apr. 1 [cited 2022 May 9];13(1):3-97. Available from: https://headachemedicine.com.br/index.php/hm/article/view/581