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4 - DTM Muscular

Autores: Isabela Coelho Novaes e Yuri Martins Costa.

Disfunção temporomandibular (DTM) é um termo que descreve vários distúrbios dolorosos e não dolorosos que afetam os músculos da mastigação, a articulação temporomandibular (ATM) e estruturas associadas (1). A DTM muscular é uma condição prevalente que acomete cerca de 13% da população geral, sendo uma das dores orofaciais (DOFs) mais comuns (2). Suas características e sintomas usuais são: dor difusa nos músculos da mastigação que piora com a função e sensação de fadiga. Além disso, dor referida para locais como ouvido e dentes pode ser comumente detectada (3–5). A qualidade da dor é normalmente relatada como chata, pesada, dolorida e em pressão (6,7) (Figura 1). Apesar de frequente na população, os sintomas de DTM muscular podem apresentar períodos de remissão parcial ou completa (8). Seu início e manutenção podem ser influenciados por fatores como: características socioambientais, sensibilidade dolorosa, traumatismos, estados pró-inflamatórios, fatores psicológicos, genética e condições de saúde geral (3,6,9–13).

Os mecanismos que causam dor na musculatura orofacial ainda não são totalmente compreendidos (11). As evidências sugerem que uma combinação entre a suscetibilidade do paciente e mecanismos periféricos e centrais contribuam para o quadro clínico (6,13,14). Diversos tipos de danos ou traumas às células musculares podem resultar na produção e liberação de mediadores inflamatórios e substâncias endógenas algogênicas que sensibilizam e excitam os nociceptores. Tais estímulos podem ser percebidos como dor (6,13). Essa interpretação depende, em parte, do nosso sistema de modulação descendente da dor (15) que pode atenuar a percepção do que experimentamos como dor. Entretanto, esse sistema descendente pode apresentar um funcionamento alterado e, por meio de outras vias de modulação, os estímulos nociceptivos podem ser facilitados em vez de inibidos. Dessa forma, alterações no sistema de modulação de dor também podem contribuir para a dor muscular (6).

Existem alguns sistemas de classificação e diagnóstico para DTM. Atualmente, o mais utilizado é o DC/TMD, sigla em inglês para “Critérios de Diagnóstico para Desordens Temporomandibulares” (16), já traduzido para o português brasileiro (17). Esse sistema apresenta um protocolo padronizado e instruções para que o profissional possa realizar o exame, obtendo assim um diagnóstico dos principais tipos e subtipos de DTM.

Uma adequada avaliação do paciente deve privilegiar uma anamnese detalhada que busque entender a queixa, a história da dor e a história médica e odontológica do paciente. É importante perguntar sobre o início da dor, sua localização, duração, frequência, intensidade, qualidade e fatores agravantes e atenuantes. Aspectos psicossociais, como sintomas de ansiedade e depressão, qualidade do sono e nível de estresse, influenciam de maneira relevante o quadro clínico do paciente com DTM muscular. É necessário avaliar também a existência de comorbidades, como dores na região cervical, algumas cefaleias primárias, como migrânea e cefaleia do tipo tensão, e fibromialgia (4,6). Cada paciente apresenta sua assinatura individual da dor, ou seja, o conjunto de fatores que contribuem para a experiência de dor que são diferentes para cada pessoa (14). Por isso, durante a avaliação, busca-se entender quais fatores colaboram para a dor muscular daquele indivíduo.

Durante o exame físico, a palpação manual dos músculos da mastigação é crucial para o diagnóstico (Figuras 2 e 3) (5). Esse exame busca reproduzir a queixa do paciente e, por isso, é importante observar se a dor causada pela palpação é familiar à queixa do indivíduo (3,4). De acordo com o DC/TMD, o examinador deve realizar a palpação dos músculos masseter e temporal aumentando gradativamente a intensidade do estímulo até 1 kg (5,16). Seguir as recomendações sobre a intensidade da palpação é relevante, pois evidências recentes indicam que uma maior intensidade do estímulo aumenta a probabilidade de evocar dor referida em indivíduos saudáveis, o que poderia influenciar negativamente no julgamento clínico (5).
 
Dois dos diagnósticos mais comuns de DTM muscular são a mialgia local e a dor miofascial com referência (4). Mialgia local, segundo o DC/TMD (16), é uma dor de origem muscular modificada pelos movimentos mandibulares, função ou parafunção. A palpação deve confirmar a localização da dor na estrutura muscular mastigatória e reproduzir a queixa do paciente. Além disso, há relato de dor localizada apenas no local da palpação.

A história deve ser positiva para:
1.         Dor na mandíbula, nas têmporas, no ouvido ou em frente à orelha nos últimos 30 dias;
2.         Dor modificada pela função ou parafunção;
3.        Dor familiar à queixa durante a palpação muscular que permanece no local da área estimulada.

Outro diagnóstico comum é a dor miofascial com referência. Essa é uma dor de origem muscular que segue os mesmos critérios da mialgia local, com acréscimo de uma referência da dor para além dos limites dos músculos que estão sendo palpados. Importante frisar que a palpação para investigar a presença de dor referida deve ser de, pelo menos, 5 segundos de duração (16). Os padrões de referência mais comuns incluem: dentes, áreas intraorais, região auriculotemporal (ouvido e orelha), cabeça, regiões supraorbital e maxilar, dependendo do músculo envolvido (5,18,19).

Para diagnosticar a dor miofascial com referência, o exame do músculo deve ser positivo para:
1.         Dor muscular familiar à queixa durante a palpação;
2.         Dor à palpação muscular além dos limites do músculo palpado.

Outros diagnósticos, como tendinite, miosite, espasmo, contratura, hipertrofia, desordens do movimento e dor muscular atribuída a desordens centrais ou sistêmicas, podem ser encontrados no guia da AAOP (13) ou no DC/TMD expandido (20). Por fim, é importante destacar que a Classificação Internacional da Dor Orofacial (ICOP, na sigla em inglês) agrupa a DTM muscular em um capítulo distinto e utiliza os critérios do DC/TMD (1). Porém, a possibilidade de subclassificação tendo em vista a frequência dos ataques e a diferenciação entre uma dor muscular primária ou secundária são acréscimos importantes.

O correto diagnóstico e identificação dos fatores contribuintes são imprescindíveis para o correto controle da dor no paciente com DTM muscular. O primeiro passo é explicar ao paciente sobre seu diagnóstico, realizar a educação em dor e ensinar sobre autocuidado. Além disso, é importante identificar os possíveis fatores contribuintes, comorbidades e fatores sistêmicos durante a anamnese (13,14). Pode ser necessário o encaminhamento para outros profissionais, como fisioterapeuta, reumatologista ou neurologista, quando o paciente apresentar comorbidades relevantes (4). O segundo passo é sempre optar por tratamentos conservadores e/ou minimamente invasivos e que possuem evidência científica de efetividade terapêutica (21,22). Dentre esses tratamentos estão: educação do paciente e autocuidado, terapia cognitivo-comportamental (TCC), terapia física, termoterapia, infiltração com anestésico ou agulhamento seco, uso de placa oclusal e farmacoterapia (4,13).

Por ser muito frequente na população, é comum encontrar pacientes com DTM muscular em consultórios odontológicos ou em outros ambientes de cuidado da saúde. Por isso, é importante que o profissional da saúde saiba suspeitar ou diagnosticar essa condição para propor um tratamento adequado ou providenciar o devido encaminhamento para um especialista em DTM/DOF.
  • Figura 1 – Quadro explicativo sobre DTM Muscular.
  • Figura 2 – Palpação manual do músculo masseter (A: origem; B: corpo; C: inserção).
  • Figura 3 – Palpação manual do músculo temporal (A: feixe anterior; B: feixe médio; C: feixe posterior).

Isabela Coelho Novaes

Mestranda em Fisiologia Oral, Programa de Pós-Graduação em Odontologia, Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP-Unicamp), Piracicaba, SP, Brasil.
E-mail: i212809@dac.unicamp.br
 

Yuri Martins Costa.

Professor da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP-Unicamp), Departamento de Biociências, Piracicaba, SP, Brasil.
E-mail: yuricosta@fop.unicamp.br
 

​Referências Bibliográficas:

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3.        List T, Jensen RH. Temporomandibular disorders: Old ideas and new concepts. Cephalalgia [Internet]. 2017;37(7):692–704. Available from: www.rdc-tmdinternational.org.
4.        Conti PCR. Disfunções Temporomandibulares e Dores Orofaciais: aplicação clínica das evidências científicas. First. Laurindo Zanco Furquim, editor. Maringá, Paraná, Brazil.: Dental Press Editora; 2021. 477 p.
5.        Masuda M, Iida T, Exposto F, Baad-Hansen L, Kawara M, Komiyama O, et al. Referred Pain and Sensations Evoked by Standardized Palpation of the Masseter Muscle in Healthy Participants. J Oral Facial Pain Headache. 2018;159–66.
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