Entrevista

Profa. Dra Juliana Stuginski Barbosa

Neste capítulo do Entrevista SBDOF, tivemos o prazer e oportunidade de entrevistar a Profa. Dra Juliana Stuginski Barbosa.

A Profa. Juliana é Especialista em DTM e Dor Orofacial, Mestre em Neurociências e Doutora em Ciências Odontológicas. Hoje faz parte do Bauru Orofacial Pain Group onde ministra aulas para turmas de Especialização e Atualização em DTM e Dor Orofacial. É sócia fundadora e ex presidente da SBDOF.

Em nome da Sociedade Brasileira de Dor Orofacial (SBDOF), agradecemos sua gentileza e disponibilidade por compartilhar conosco seu conhecimento e experiência. 

Profa Juliana, nos conte um pouco sobre como iniciou sua atuação na área de DTM/DOF. Nessa trajetória, quais foram os maiores desafios?

Minha trajetória na especialidade de disfunção temporomandibular (DTM) e dor orofacial começou em 1997, logo após minha graduação na FORP-USP. A escolha por esta área foi motivada pela observação de um nicho pouco explorado e pela necessidade de estabelecer minha prática em uma nova cidade com poucos conhecidos. Os primeiros passos foram dados em parceria com uma fisioterapeuta, focando nas desordens craniomandibulares, um termo comum à época. Com o estabelecimento formal da especialidade pelo Conselho Federal de Odontologia em 2002, optei inicialmente por não me certificar, devido à incerteza sobre o espectro completo da dor orofacial.

A oportunidade de aprofundar meus conhecimentos surgiu com o curso de especialização oferecido na época pela ACDC de Campinas, coordenado pelos professores Cibele Dal Fabbro e Jorge von Zuben. Essa formação foi apenas o início de uma jornada educacional que se expandiu para incluir estágios e estudos avançados sobre cefaleia e dor neuropática no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirao Preto – USP, onde fiz o mestrado orientada pelo Professor Dr José Geraldo Speziali e , culminando em um doutorado focado em bruxismo já na Faculdade de Odontologia de Bauru, também na USP, orientada pelo professor Paulo Conti. O contato com professor Conti e toda equipe de colegas da pós graduação do Bauru Orofacial Pain Group expandiu meus conhecimentos nesta área e permitiu que também pesquisar as condições dolorosas na região orofacial. 

Ao mesmo tempo mantive os atendimentos em consultório. Enfrentei desafios significativos, especialmente na atração de pacientes em uma era pré redes sociais, dependendo fortemente do encaminhamento por colegas e da reputação construída na comunidade médica e odontológica. A dificuldade inicial de compreender e tratar eficazmente as dores orofaciais e neuropáticas revelou-se uma oportunidade de crescimento profissional, estimulando um comprometimento contínuo com a educação e a pesquisa. Hoje, com a expansão dos materiais educativos e científicos, sinto uma grande satisfação em contribuir para a evolução desta especialidade vital.

Sabemos da sua grande expertise no manejo das DTMs e bruxismo, mas nesta entrevista gostaríamos de focar em outra condição desafiadora e que você aborda com muita frequência, as neuropatias trigeminais pós-traumáticas (NTPT). Primeiramente, o que são NTPT ?

Neuropatias trigeminais pós-traumáticas representam um conjunto de condições que surgem em resposta a lesões ou traumas no sistema nervoso somatossensorial. Importante ressaltar, essas neuropatias podem manifestar-se de forma dolorosa ou não dolorosa. Quando dolorosas, são especificamente classificadas pela Classificação Internacional de Dor Orofacial (ICOP) como dor neuropática pós-traumática trigeminal. Essa classificação é essencial para o entendimento e abordagem da condição, pois distingue as manifestações de dor na face ou região oral, que podem ser uni ou bilaterais, diretamente resultantes de um trauma no nervo trigêmeo. Tais traumas podem ser de natureza mecânica, térmica, por radiação, ou química.

Os pacientes com essa condição apresentam dor persistente e recorrente que perdura por mais de três meses, além de sinais e sintomas de disfunção somatossensorial alinhados com a distribuição neuroanatômica do nervo trigêmeo. Essa especificidade na classificação sublinha a necessidade de uma avaliação detalhada e um diagnóstico preciso, permitindo a identificação da natureza dolorosa ou não dolorosa da neuropatia, o que é crucial para o delineamento das estratégias de manejo e tratamento mais adequadas à condição do paciente.

Quais as causas mais comuns? As NTPT podem ser evitadas?

As causas mais comuns de dor neuropática pós-traumática trigeminal, particularmente dentro do espectro odontológico, abrangem procedimentos de endodontia e implantodontia. Estes procedimentos podem levar a danos mecânicos não só por meio da implantação ou detritos gerados durante a abertura para o implante dentário mas também podem ocorrer durante a realização de uma anestesia infiltrativa. Além disso, cirurgias paraendodônticas e periodontais são identificadas como procedimentos que potencialmente causam traumas no nervo trigêmeo.

A exposição ao risco de danos ao nervo trigêmeo se estende ao extravasamento químico ou à secção nervosa durante procedimentos como a pulpectomia em endodontia. A literatura também reconhece casos relacionados a intervenções na área orofacial, como radioterapia, exodontias e cirurgias ortognáticas. Assim, é fundamental um planejamento cuidadoso e a consideração dos riscos associados a estes procedimentos odontológicos e cirúrgicos, visando reduzir a incidência de lesões no nervo trigêmeo e mitigar o impacto dessas condições na qualidade de vida dos pacientes.

A possibilidade de evitar dores neuropáticas pós-traumáticas trigeminais é complexa, dada a natureza invasiva dos procedimentos que geralmente estão associados a sua ocorrência. Embora o termo "evitar" seja ambicioso, é importante reconhecer que, apesar do cuidado e do planejamento meticuloso, uma pequena porcentagem de casos, pode evoluir para essa condição como sequela, especialmente nos procedimentos relacionados à implantodontia, onde recente pesquisa de nosso grupo em Bauru questionando implantodontistas sobre a ocorrência destes casos em consultório, apontam que até 1% dos implantes dentários podem resultar em dor neuropática pós-traumática trigeminal.

Para minimizar o risco de desenvolvimento dessas dores neuropáticas, um planejamento rigoroso é essencial. No contexto da implantodontia, a utilização de tomografias cone beam (CBCT) é um exemplo de como a tecnologia pode auxiliar na melhoria do planejamento dos casos, oferecendo imagens detalhadas que permitem uma avaliação precisa da anatomia óssea e dos nervos, reduzindo assim o risco de lesões neurológicas. Além disso, um aspecto crítico na prevenção dessas dores é a consideração holística do paciente, incluindo a análise da sua qualidade de vida, qualidade do sono, saúde mental, e fatores de estilo de vida, como sedentarismo e obesidade. Essa abordagem integrada, que considera tanto a técnica quanto o estado geral do paciente, é fundamental para otimizar os resultados e minimizar os riscos associados a esses procedimentos invasivos.

Como diferenciar as NTPT de outras dores orofaciais?

Para diferenciar as dores neuropáticas pós-traumáticas trigeminais de outras dores orofaciais, é essencial que o especialista em DTM e dor orofacial possua um conhecimento profundo sobre as características específicas dessa condição. Essa compreensão detalhada permite uma maior probabilidade de identificação e diagnóstico diferencial eficaz em relação a outras dores neuropáticas na mesma região.

Dado que a ocorrência da dor neuropática pós-traumática trigeminal é bastante rara, uma abordagem inicial deve incluir a exclusão de possíveis causas odontogênicas, cefaleias, sinusite, ou quaisquer outros problemas relacionados a elementos dentários. Este processo de eliminação é crucial para o diagnóstico correto, permitindo que o especialista distinga esta condição de outras causas de dor orofacial e direcione o tratamento de maneira mais precisa e efetiva.

Quanto ao manejo das NTPT, que terapias são mais comumente utilizadas?

No tratamento de dores neuropáticas pós-traumáticas trigeminais, enfrentamos a escassez de estudos específicos voltados para as sequelas de procedimentos odontológicos. Assim, baseamos nossas abordagens terapêuticas em inferências de tratamentos aplicados a dores neuropáticas pós-traumáticas e periféricas, incluindo as diabéticas, em outras partes do corpo. A educação do paciente surge como uma etapa crucial, visando desmistificar a condição e reforçar a validade de sua dor, além de promover uma visão otimista e realista sobre o tratamento.

O tratamento deve ser altamente individualizado, levando em conta o estilo de vida e as necessidades específicas de cada paciente. Inicialmente, a preferência é dada às intervenções não farmacológicas, como o manejo da qualidade do sono, o apoio à saúde mental por meio de psiquiatras e psicólogos, e a promoção de um estilo de vida ativo e saudável. Técnicas como a terapia cognitivo-comportamental e a prática de Mindfulness também têm se mostrado eficazes na melhoria da qualidade de vida dos pacientes com dor crônica.

No que diz respeito ao tratamento farmacológico, é importante reconhecer que a dor neuropática pós-traumática trigeminal geralmente não responde bem a anti-inflamatórios não esteroidais, sedativos ou analgésicos comuns. Evitar novas intervenções dentárias é recomendado. A terapia farmacológica pode ser direcionada tanto ao sistema nervoso periférico, com o uso de agentes tópicos como capsaicina e lidocaína, quanto ao central, empregando gabapentinoides, antidepressivos tricíclicos, ou inibidores seletivos de recaptação de serotonina e norepinefrina. Contudo, a eficácia desses medicamentos ainda é considerada limitada, com estudos indicando uma taxa de resposta de apenas 11%.

A busca por novas técnicas e medicamentos para tratar essa condição é uma área de interesse urgente na pesquisa sobre dor neuropática. Recentemente, a neuromodulação emergiu como uma terapia promissora para dores neuropáticas periféricas, embora sua eficácia na região trigeminal ou orofacial ainda necessite de investigação. Esta abordagem reflete a necessidade contínua de inovação e pesquisa para oferecer alívio e melhor qualidade de vida aos pacientes afetados por essa condição desafiadora.

Neurite e NTPT são condições distintas? O que as difere?

Neurite e neuropatia pós-traumática trigeminal são termos que frequentemente causam confusão, mas se referem a condições com características distintas dentro do espectro de lesões e disfunções nervosas. A neurite é caracterizada pela inflamação de um ou mais nervos, um processo que pode ser desencadeado por diversas causas e não se limita exclusivamente ao contexto da neuropatia trigeminal pós-traumática. Essa inflamação é um dos mecanismos neurofisiológicos envolvidos na dor neuropática, podendo ocorrer como uma resposta inicial ao trauma ou lesão nervosa.

Portanto, enquanto a neurite refere-se especificamente à inflamação nervosa, a neuropatia pós-traumática trigeminal descreve uma condição mais ampla que inclui dor persistente e outros sintomas neurológicos resultantes de um trauma direto no nervo trigêmeo. Em resumo, a neurite pode ser um evento inicial ou parte do processo patológico da neuropatia pós-traumática trigeminal, contribuindo para a evolução da dor neuropática nesta condição específica.

Considerando-se que o manejo da NTPT é, muitas vezes, interdisciplinar, profissionais de que área frequentemente compõem esta equipe?

O manejo da dor neuropática pós-traumática trigeminal geralmente requer uma abordagem interdisciplinar, envolvendo uma equipe de profissionais de diferentes áreas de especialização para fornecer o cuidado mais abrangente e eficaz possível. Inicialmente, o cirurgião-dentista que realizou o procedimento é frequentemente o primeiro ponto de contato para o paciente. Contudo, dado o potencial desconhecimento específico sobre dor neuropática, o encaminhamento a um especialista em DTM e dor orofacial pode ser necessário para uma avaliação mais aprofundada e orientação do tratamento.

Além desses profissionais da odontologia, neurologistas com especialização em dor sem dúvida auxiliam no diagnóstico, tratamento e manejo da dor neuropática pós procedimentos odontológicos, abordando os aspectos neurológicos da condição. 
Em alguns casos, psicólogos são essenciais para apoiar o paciente no manejo de estressores, oferecendo estratégias para lidar com problemas emocionais e psicológicos que possam exacerbar a dor. Em casos onde ansiedade ou depressão são fatores contribuintes significativos, o envolvimento de psiquiatras no tratamento pode ser indicado para abordar essas questões de saúde mental de forma mais direta.

Com o avanço das terapias para dor, a neuromodulação tem emergido como uma opção terapêutica promissora, o que inclui a participação de neurologistas e fisioterapeutas especializados nessa técnica. Esses profissionais podem oferecer tratamentos complementares que ajudam a modular a resposta do sistema nervoso à dor, contribuindo significativamente para o alívio dos sintomas e melhoria da qualidade de vida do paciente.

Portanto, a equipe interdisciplinar voltada para o manejo da dor neuropática pós-traumática trigeminal pode incluir, mas não se limita a, cirurgiões-dentistas, especialistas em dor orofacial, neurologistas, psicólogos, psiquiatras, e fisioterapeutas, cada um trazendo sua expertise específica para um tratamento holístico e personalizado.
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Profa. Dra Juliana Stuginski Barbosa

Doutora em Ciências Odontológicas Aplicadas pela Faculdade de Odontologia de Bauru - USP

Mestre em Neurociências pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP

Especialista em Disfunção Têmporo-mandibular e Dor Orofacial

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