Entrevista

Profa. Dra Débora Bevilaqua Grossi

Tivemos oportunidade de entrevistar a Profa. Dra Débora Bevilaqua Grossi.
A Profa. possui graduação em Fisioterapia pela Universidade Federal de São Carlos (1990), mestrado (1996) e doutorado (1998) em Biologia Patologia Buco-Dental pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é professora titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e chefe do Departamento de Ciências da Saúde nesta instituição. Realizou pós-doutorado no Albert Einsten College of Medicine e no Montefiore Headache Center em NY. Desenvolve pesquisas estudando as repercussões musculoesqueléticas e funcionais na cefaleia e DTM e é a docente responsável pelo Ambulatória de DTM e Cefaleia do Centro de Reabilitação do HC-FMRP-USP.  Coordenou e atualmente é orientadora do Programa de Pós-graduação em Reabilitação e Desempenho Funcional na FMRP. 

Em nome da Sociedade Brasileira de Dor Orofacial (SBDOF), agradecemos sua gentileza e disponibilidade por compartilhar conosco seu conhecimento e experiência.

Sabemos que as DTM apresentam etiologias multifatoriais. Assim, os tratamentos multidisciplinares são essenciais. Como você avalia a participação da fisioterapia nessa área? 

Fico muito feliz em observar como a realidade mudou nesses anos todos e como a abordagem multidisciplinar nesses pacientes tem sido aceita e mesmo incentivada. Esse reconhecimento do papel da equipe se deve também ao crescimento das pesquisas na área e à atualização dos profissionais. Considerando a área da Fisioterapia, a DTM hoje já faz parte do currículo de muitas escolas na graduação e há profissionais muito capacitados atuando na área em todo o país, cada vez mais conscientes do seu papel e da contribuição que a Fisioterapia pode dar no tratamento multidisciplinar desses pacientes.

Recentemente tive a oportunidade de conhecer uma experiência bem sucedida de equipe multidisciplinar como a da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) que por meio de um projeto de extensão capacita e forma profissionais dentro do SUS com essa visão multidisciplinar na avaliação e tratamento da DTM. A abordagem multidisciplinar está sem dúvida, associada a melhores resultados terapêuticos onde todos saem ganhando, especialmente o paciente.


Considerando sua prática clínica e dia a dia ambulatorial qual a relação entre DTM e repercussões musculoesqueléticas gerais? Através da utilização de quais técnicas o fisioterapeuta atinge os melhores resultados?

O que mais observamos no nosso ambulatório obviamente é a relação da DTM com as dores de cabeça e com dores cervicais e não com condições de acometimento músculo esquelético em geral. Em alguns casos, inclusive, o quadro de DTM pode ser apresentar como uma consequência da sensibilização da enxaqueca, por exemplo. Pode ainda representar um dos gatilhos para uma crise de cefaleia e/ou ser um fator perpetuador das dores craniocervicais. Por isso é tão importante a avaliação do segmento craniocervical como um todo, independente da queixa principal que o levou a procurar por ajuda especializada:  se foi por cervicalgia, DTM ou cefaleia.

Observamos que muitas vezes o paciente não tem dimensão precisa das suas dores ou sabe perceber e localizá-las prontamente, é comum na avaliação identificarmos pontos dolorosos que reproduzem a dor do paciente, mas que ele nunca tinha percebido ou sentido a sensibilidade desse local antes. Um quadro comum que observamos nos pacientes com disfunção no sistema craniocervical, que inclui a DTM, é o uso excessivo da musculatura acessória da respiração, prejudicando o relaxamento e sobrecarregando os músculos dessa região e a postura cervical.

Todas essas condições podemos abordar no tratamento fisioterapêutico que tem ainda a vantagem de não ser invasivo, é seguro e fornece mecanismos para o gerenciamento do autocuidado, incentivando a responsabilidade do paciente em relação à sua condição de saúde. De forma geral, temos como objetivos o controle e a redução da dor, o relaxamento muscular e o restabelecimento das funções musculares e articulares e a melhora da postura e da percepção corporal.

Há muitas modalidades terapêuticas que podem ser utilizadas, mas as que possuem maior nível de evidências incluem as eletro físicas como o laser, além da terapia manual, os exercícios e a educação em dor. O uso do laser apresenta evidências de qualidade moderada para a redução da dor em indivíduos com DTMs dolorosas. Já a terapia manual e os exercícios quando aplicados de maneira isolada ou combinada mostram evidências para a redução da dor e aumento da amplitude de movimento mandibular. 

As evidências sugerem ainda que a aplicação dessas técnicas combinadas para a região cervical e orofacial favorecem os resultados para a redução da dor e ganho de amplitude de movimento. Além disso, quando essas terapias são associadas à educação em dor há uma melhora da incapacidade autorrelatada relacionada à DTM mesmo a longo prazo. A literatura disponível mostrando essas evidências é vasta o que reforça a responsabilidade dos profissionais que atuam nessa área.



Dentre suas linhas de pesquisa atuais, você apontaria uma direção fundamental para tratamentos dos pacientes?

Como vimos, já se tem evidências dos benefícios de diferentes abordagens fisioterapêuticas, mas os estudos clínicos de qualidade serão sempre úteis. Nesse momento, temos um estudo clínico em andamento no nosso grupo com colaboração da professora Susan Armijo-Olivo, que trabalha na Alemanha e supervisiona uma aluna do nosso grupo que está fazendo um estágio por lá. Esse projeto tem como objetivo desenvolver um modelo de predição clínica. Estamos oferecendo uma intervenção pautada nas evidências científicas atuais para compreender o perfil dos pacientes que respondem a esse tratamento. Pretendemos identificar subgrupos de pacientes com DTM que tem maior probabilidade de se beneficiar com esse tratamento multimodal assim como, identificar aqueles pacientes que obtiveram piores resultados.

Estabelecer essa regra de predição pode ajudar a elucidar aspectos ainda não explorados no prognóstico de tratamento fisioterapêutico desses pacientes. Esses dados podem nos ajudar traçar novas estratégias e delinear novas pesquisas que investiguem qual seria o tratamento mais apropriado para eles. Esse estudo envolve dois projetos, um de mestrado e outro de doutorado e alunos de Iniciação Científica onde utilizamos  métodos quantitativos e qualitativos de análise. 


Dentre suas diversas áreas de pesquisas, as cefaleias aparecem frequentemente nos seus estudos. Na sua visão, qual a relação entre cefaleias e dores orofaciais? Qual o papel da fisioterapia dentro da equipe multidisciplinar no manejo dessas condições? 

Na verdade, atualmente as cefaleias constituem minha maior área de pesquisa. Como sempre gosto de afirmar, eu entendo o sistema craniocervical como uma unidade. O fisioterapeuta não pode nem deve ter a visão com foco no diagnóstico que o paciente apresenta. É natural que o cefaliatra esteja focado nas dores de cabeça e suas manifestações e o dentista nas queixas que envolvem a dinâmica mandibular, mas os fisioterapeutas devem ter o olhar mais amplo, porque independente do diagnóstico, as manifestações dessas doenças podem se sobrepor e confundir o quadro clínico.

É necessário que seja feita o que chamamos de avaliação cinético funcional, onde vamos identificar estruturas que são potenciais fontes de dor e avaliar essas estruturas pela palpação, mobilização e testes funcionais, assim podemos determinar independente do diagnóstico da doença, as disfunções musculoesqueléticas presentes e abordá-las apropriadamente.

Acaba de ser publicado um volume especial sobre dor cervical, cefaleia e DTM no periódico Musculoskeletal Science and Practice que pode ajudar muito na atualização dos profissionais que atuam nessa área e esclarece vários pontos clínicos e controversos dessas doenças. Foi um volume lançado em agosto /23 que tive a oportunidade de editar juntamente com renomadas pesquisadoras fisioterapeutas e participaram como autores os maiores especialistas do mundo dentro dessa temática.  

Infelizmente, em algumas regiões do país - e fora dos grandes centros - há uma escassez de fisioterapeutas especializados em DTM/DOF. Como você percebe essa situação de mercado e como acontece a formação desses profissionais? 

Não sou a melhor pessoa para falar sobre isso porque confesso que minha dedicação é acadêmica e vinculada ao SUS e não estou no mercado. No entanto o mercado foi, é e ainda será muito promissor nessa área, exatamente porque a demanda tende a aumentar quanto mais os dentistas e outros profissionais da saúde conhecem e experimentam os benefícios para os seus pacientes da abordagem multidisciplinar.  A formação desses profissionais é uma preocupação, mas há profissionais competentes e bem intencionados trabalhando muito bem. Fora dos grandes centros (São Paulo-Rio) há alguns cursos de especialização em DTM/DOF voltados para Fisioterapeutas na Bahia e no Recife, esses cursos tem carga horário maior e incluem aulas práticas. 

Com menor carga horária, há um programa de Aperfeiçoamento em DTM ofertado pela Universidade de Fortaleza, voltado para profissionais da área de Fisioterapia e Odontologia. Não faltam boas opções de cursos de formação e capacitação nessa área com diferentes propostas de carga horária e modalidades espalhados por todo país. Oportunamente vamos oferecer também uma opção de formação desses profissionais na área de DTM e Cefaleia aqui na USP de Ribeirão Preto.


Sabemos que você é responsável pelo ambulatório de Fisioterapia em Cefaleia e DTM do HC-FMRP/USP. Imaginamos que centros como esse trazem muitos benefícios para comunidade. Como você avalia o impacto desse serviço na sua região?

Nossa demanda é limitada por várias razões, mas temos a oportunidade de oferecer para a população de Ribeirão Preto e região um tratamento diferenciado, principalmente porque está associado ao Ambulatório de Cefaleia e Algias Craniofaciais do HC-FMRP-USP (ACEF). O ACEF é um ambulatório muito reconhecido na formação de cefaliatras no Brasil e onde trabalham grandes especialistas na área. Dada as características do nosso hospital, nosso fluxo vem prioritariamente desse ambulatório e trabalhamos em equipe até a alta do paciente. 

Avaliar o impacto desse trabalho além das percepções pessoais de todos que trabalhamos aqui é um desafio a ser vencido ainda. Estamos conduzindo nesse momento estudos qualitativos que podem nos ajudar a entender melhor a percepção desses pacientes e o impacto desse serviço e assim pode contribuir melhor para a saúde e bem estar de todos eles.
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Profa. Dra Débora Bevilaqua Grossi.

Professora Titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto

Chefe do Departamento de Ciências da Saude da FMRP-USP

Pós doutorado pelo Albert Einstein College of Medicine e Montefiore Headache Center em Nova York

Responsável pelo Ambulatório de DTM e Cefaleia do Centro de Reabilitação do HC-FMRP-USP

Doutorado em Biologia e Patologia Buco-Dental pela FOP-UNICAMP 

Redes Sociais:

@bevilaquagrossi
@dtmcefaleiausp