O que estou estudando

Karina Helga Turcio de Carvalho e Ester Oliveira Santos

Sou docente do curso de Odontologia da Faculdade de Araçatuba (UNESP) e atualmente supervisora do Centro de Assistência Odontológica à Pessoa com Deficiência (CAOE). A aluna Ester, sempre interessada em novos conhecimentos, aceitou o desafio de realizar sua Iniciação Científica dentro da minha linha de pesquisa no estudo da sensibilidade de Indivíduos Portadores de Necessidades Especiais.

É essencial que haja o entendimento dos sentimentos e sensibilidades físicas desses indivíduos, para que eles sejam cada vez mais incluídos na sociedade e na atenção à saúde privada e pública com assertividade. Assim, segue o relato da aluna Ester:

Estou cursando o 5º ano da graduação na Faculdade de Odontologia de Araçatuba (FOA/UNESP) e minha trajetória acadêmica foi iniciada em 2021, quando fiz a primeira Iniciação Científica. Enquanto eu cursava o 3º ano da graduação, tive o primeiro contato com a área de Disfunção Temporomandibular (DTM) e Dor Orofacial (DOF) na disciplina de Oclusão, pelas aulas ministradas pela professora Karina. Entretanto, esse contato foi breve, pois com a pandemia do COVID-19, e a obrigatoriedade do isolamento social, as atividades presenciais na faculdade foram suspensas e adaptadas para o EAD.

Desde essa época me interessei pelo assunto, todavia foi apenas no início de 2021 na época em que iniciei minha Iniciação Científica (após o retorno das atividades presenciais) que tive certeza do fascínio em aprender mais sobre DTM/DOF e sobre a sensibilidade dos pacientes. Então, nós escrevemos o projeto, submetemos à chamada pública do edital da PIBIC e com muita alegria me tornei bolsista PIBIC sob a sua supervisão. Estudar a sensibilidade de pacientes especiais foi um tema que me tocou, uma vez que atualmente vivemos em uma sociedade que luta e discute calorosamente a busca da igualdade entre os indivíduos, o que nos levou a envolver Portadores de Necessidades Especiais nesta causa.  

Assim, o projeto desenvolvido avaliou o limiar de dor e o processamento comportamental e sensorial de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), este que teve um salto gigantesco em sua prevalência nos últimos anos. Quando comecei a iniciação, não conhecia nada sobre a área de pacientes especiais e o tema proposto pela professora Karina, foi a porta de entrada para meu encantamento com essa especialidade.

A pesquisa foi supervisionada pela minha orientadora e desenvolvida no CAOE, apelidado de Centrinho, que é uma unidade auxiliar de atendimento, pesquisa e ensino da faculdade. Ao acompanhar os atendimentos e a rotina do Centrinho, fui percebendo, que apesar de ser algo tão importante e necessário, as produções científicas sobre pessoas com necessidades especiais são extremamente escassas dentro da Odontologia.

Foi assim também, que entendi o quanto esses indivíduos são excluídos e negligenciados pela sociedade e pelo sistema de saúde, pois sempre são frequentes os relatos de pais e responsáveis de que não conseguiram atendimento em nenhum outro lugar, seja no serviço público ou privado. E pude, através do levantamento bibliográfico enxergar o quanto ainda se precisa estudar e pesquisar para se entender estes pacientes e adequar os atendimentos odontológicos a eles. 

Atualmente estudamos o limiar de dor, a reação ao toque e o perfil sensorial de crianças e adolescentes com TEA com intuito de avaliar se o transtorno do processamento sensorial que acomete esses indivíduos influencia no processamento da dor dessas crianças, ou se o fator comportamental é determinante. Segundo o Centro de Controle de Prevenção e Doenças (CDC) dos Estados Unidos, a prevalência do autismo é de 2,8%, ou seja 1 em 36 crianças, com uma proporção de 3,8 homens para cada mulher. Os novos números do CDC, publicados agora em 2023, mostram que a prevalência do autismo continua subindo cada vez mais. Com esse crescimento, faz-se necessário, realizar estudos sobre esse grupo de pessoas.

Desta maneira, nossa pesquisa é um ensaio clínico controlado, com amostra de 80 crianças e adolescentes (5 a 14 anos), sendo eles 40 TEA e 40 neurotípicos. O limiar de dor à pressão foi mensurado por meio da algometria realizada nos músculos masseteres e temporais de ambos os lados, bem como em um ponto de referência na mão.

Para a aceitação ao toque e o perfil sensorial, foram aplicadas aos pais ou responsáveis questionários sobre toque social, que engloba uma ampla gama de questões relativas a afetos e atitudes em relação ao toque social, tais como tocar e ser tocado, tocar alguém conhecido ou ser tocado por um estranho. O perfil sensorial, faz perguntas sobre questões cotidianas da rotina das crianças, para compreender como a criança processa estímulos sensoriais, e como esse processamento afeta suas respostas e comportamentos ao ambiente.

Nossos resultados preliminares indicaram diferença no limiar de dor apenas no ponto de referência, e sugerem que indivíduos com TEA apresentam maior rejeição ao toque físico e alterações no processamento socioemocional e no tato. Porém, também estamos avaliando a sensibilidade oral dessas crianças. 

Esses achados criam um grande desafio a ser enfrentado pelo cirurgião dentista: como diagnosticar e tratar DTM/DOF em autistas? Como diagnosticar a sensibilidade ou dor dentária nestes pacientes? Tendo em vista que tanto o diagnóstico como o tratamento da dor dependem de contato, aproximação e percepção das sensações do indivíduo? Entender o processamento sensorial de crianças com TEA, e de portadores de outras alterações neurocomportamentais, entender como interagem com o meio ambiente, como reagem e sentem dor irá permitir que elas tenham acesso a um atendimento humanizado e digno, que promova melhora na qualidade de vida. 

Por fim, aproveito para ressaltar a importância de estudos com esse grupo de pessoas que está cada vez maior na nossa sociedade. O desconhecido sempre é motivo de receio, estranheza, e no caso de crianças e adultos com TEA, indiferença, medo e exclusão por parte dos cirurgiões dentistas. Produzir conhecimento científico sobre esse tema é a base para derrubar estigmas e incluir esses indivíduos na sociedade, além de ser fundamental para que profissionais da área da saúde se tornem aptos e capacitados para atender esse grupo da melhor maneira.
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Karina Helga Turcio de Carvalho e Ester Oliveira Santos

Ester Oliveira Santos 

Graduanda em Odontologia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (FOA/UNESP) (2019).

Bolsista PIBIC (proposta 5862), com a linha de pesquisa sobre perfil sensorial, limiar de dor à pressão, sensibilidade oral e neofobia alimentar em pacientes com autismo. 

Email: ester.santos@unesp.br
Instagram: @esterosantos

Profa. Dra. Karina Helga Turcio de Carvalho

Supervisora do Centro de Assistência Odontológica à Pessoa com Deficiência (CAOE), da Faculdade de Odontologia de Araçatuba (UNESP)

Coordenadora do Núcleo de Diagnóstico e Tratamento das Disfunções Temporomandibulares e Dor Orofacial (UNESP),

Professora de Prótese Parcial Removível e Oclusão da Faculdade de Odontologia de Araçatuba (UNESP).  

Graduada em Odontologia (1998), mestre (2003) e Doutora em Prótese Dentária (2006) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP),

Especialista e Prótese Dentária e Dor Orofacial.

Email: karina.turcio@unesp.br
Instagram: @karinahelgaturcio