Caderno SBDOF

Caderno 18- Explorando a Hipermobilidade Articular da ATM: Uma Revisão Abrangente para Dentistas

Autor: Samilla Pontes Braga

A etiologia da Disfunção Temporomandibular (DTM) vem sendo estudada há décadas. No que tange à etiologia, a AAOP (Academia Americana de Dor Orofacial) cita quatro principais fatores: trauma, fatores anatômicos, fatores patofisiológicos e fatores psicossociais (1). Os fatores patofisiológicos correspondem àqueles sistêmicos que podem atuar simultaneamente níveis central e periférico.

Dentre esses, destaca-se a hipermobilidade articular generalizada (HAG). A hipermobilidade articular trata-se do movimento excessivo de uma articulação no seu plano normal. Quanto acomete múltiplas articulações, principalmente membros e esqueleto axial, é denominada HAG (2). No início dos anos 90 alguns estudos identificaram maior prevalência de HAG em pacientes com distúrbios internos da ATM em comparação a pacientes com outros tipos de DTM e indivíduos saudáveis (3,4,5).

A hipermobilidade localizada da ATM, também chamada de hipertranslação da ATM, caracteriza-se por uma movimentação além do normal durante o movimento de translação condilar, quando a cabeça da mandíbula ultrapassa a crista da eminência articular. Na tentativa de interpretar esses resultados supracitados e levando-se em conta princípios biomecânicos, hipotetizou-se que a hipermobilidade articular da ATM evolui com alongamento dos ligamentos do disco, que associados a outros fatores contribuintes, podem levar à sobrecarga articular, deslocamento do disco e consequente dor e “travamento aberto”, este último característico de quadros de subluxação e luxação da ATM (distúrbios de hipermobilidade) (1,5, 3) Deve ficar claro, no entanto, que grande parte dos indivíduos que apresentam hipertranslação da ATM convivem bem com essa condição, sem apresentar sintomas durante a vida.

 Vale ainda salientar que a associação entre a HAG e a hipermobilidade localizada da ATM tem sido pouco estudada e quando estudada é considerada fraca ou carece de novos estudos. Em 2016, um estudo observou que a HAG não influenciou a oclusão e as amplitudes de movimentos mandibulares nas mulheres avaliadas. Além disso, não houve diferença significativa quanto a presença de ruídos articulares ao comparar mulheres hipermóveis e controles (6).

Devidos aos diversos contrapontos e as limitações metodológicas encontradas nos estudos realizados até agora, ainda não é possível estabelecer ou descartar a relação entre hipermobilidade articular (especialmente a localizada na ATM) e DTM. Uma hipótese que pode estar envolvida na dificuldade de pesquisar esse tema é a ausência de critérios diagnósticos bem estabelecidos para avaliar a hipermobilidade articular da ATM. Essa dificuldade inicia-se no fato de que a abertura bucal, que é o primeiro parâmetro que nos vem à cabeça quando pensamos em mensurar a hipermobilidade da ATM varia a depender de fatores individuais como sexo, altura, formato craniofacial e idade. A faixa de abertura normal é menor nas mulheres do que nos homens e diminui com o aumento da idade (7,8).

De acordo com a Academia Americana de Dor Orofacial (AAOP) e alguns estudos primários, a abertura normal da mandíbula varia entre 40 e 55 mm (1,9). Porém, uma abertura bucal acima de 55 mm não necessariamente indica uma hipermobilidade da ATM, já que também é preciso considerar as variações individuais mas principalmente os sinais clínicos da hipermobilidade da ATM. Na anamnese é importante questionar sobre a ocorrência de episódios de travamento aberto e/ou fechado como parte do processo de diagnóstico diferencial.

Sinais e sintomas da hipermobilidade da ATM devem ser avaliados através de anamnese e exame físico. É importante salientar que durante a abertura bucal o complexo disco/côndilo translada movendo-se para frente ao longo da eminência enquanto o disco rotaciona posteriormente no côndilo. Logo, à medida que o disco/côndilo salta para frente e pra cima, anterior à crista da eminência, ocorre um movimento brusco e irregular acompanhado ou não de um ruído articular descrito como “baque”.

Esse movimento ainda pode ocorrer sem ruídos e ser clinicamente perceptível pelo avaliador por vista frontal no exame clínico, de modo que os côndilos se projetam para fora/lateral em comparação ao resto do rosto, caracterizando o salto lateral do côndilo. Além disso, tanto no final da abertura máxima quanto no início do fechamento bucal, um côndilo pode preceder o outro na movimentação, causando um balanço brusco da mandíbula para o lado que precede o movimento, visível no exame clínico como desvio de linha média. Tanto o ruído descrito como “baque” quanto o balanço brusco da mandíbula supracitados podem ser queixas dos pacientes com hipermobilidade da ATM (5).

As principais repercussões negativas associadas à hipermobilidade articular no geral envolvem dor, fadiga muscular, caraterizada pela redução da capacidade de produzir uma força durante atividade muscular prolongada, além da cinesiofobia, que representa medo excessivo de movimento. Dessa forma, a anamnese precisa envolver sintomas orofaciais dolorosos, mas também aqueles não dolorosos, como fadiga muscular, instabilidade do movimento mandibular e cinesiofobia, importantes no diagnóstico da hipertranslação da ATM (2). Além disso, um estudo mostrou que a atividade dos músculos mastigatórios diminuiu em relação à gravidade da hipermobilidade da ATM, fazendo-se importante uma avaliação mais criteriosa desses pacientes, especialmente no que tange a sintomas não dolorosos (10).

A avaliação da HAG pode ser feita por meio do critério de Beighton, que mede o desempenho de cinco atividades corporais bilateralmente (11). Caso o paciente apresente queixas como lesões articulares, dor e/ou fadiga no corpo, o mesmo deve ser encaminhado ao profissional especializado para avaliação e conduta adequada.

A terapêutica aplicada ao paciente com hipermobilidade da ATM irá variar a depender do nível de comprometimento da qualidade de vida. Em casos mais extremos a hipermobilidade da ATM pode se manifestar como quadros de luxação (travamento aberto) recidivante da ATM. Ainda não há consenso sobre a melhor terapia nesses casos. Porém, novas técnicas minimamente invasivas têm apresentado resultados promissores (12). Vale salientar que os tratamentos reversíveis e conservadores devem sempre ser considerados como primeira linha de tratamento. Como parte da autogestão, os pacientes com hipermobilidade da ATM devem aprender a limitar a abertura bucal, especialmente quando executando funções naturais, como morder alimentos grandes e bocejar. Ainda, exercícios de fortalecimento da musculatura mastigatória podem ajudar a reduzir as repercussões da hipermobilidade, apesar da escassez de estudos clínicos randomizados (5). Isso corrobora com a literatura científica e prática médica atual, que destaca a importância dos exercícios de fortalecimento e estabilização no tratamento de articulações instáveis e hipermóveis (13).
 

 
 
 
 
 
REFERÊNCIAS

1.        De Leeuw R, Klasser GD. Guidelines for Assessment, Diagnosis, and Management Orofacial Pain Sixth Edition. 2018.

2.        Tinkle BT. Symptomatic joint hypermobility. Vol. 34, Best Practice and Research: Clinical Rheumatology. Bailliere Tindall Ltd; 2020.

3.        Buckingham RB, Braun T, Harinstein DA, Oral K, Bauman D, Bartynski W, et al. Temporomandibular joint dysfunction syndrome: A close association with systemic joint laxity (the hypermobile joint syndrome). 1991.

4.        Kavuncu V, Sahin S, Kamanli A, Karan A, Aksoy C. The role of systemic hypermobility and condylar hypermobility in temporomandibular joint dysfunction syndrome. Rheumatol Int. 2006 Jan;26(3):257–60.

5.        Richard A Pertes; Sheldon G Gross. TMD and OP_ Pertes e Gross_ Hipermobility. 1995. 79–86 p.

6.        Chiodelli L, Pacheco A de B, Missau TS, da Silva AMT, Corrêa ECR. Influence of generalized joint hypermobility on temporomandibular joint and dental occlusion: A cross-sectional study. Codas. 2016;28(5):551–7.

7.        Ingervall B. Variation of the range of movement of the mandible in relation to facial morphology in young adults. . Scand J Dent Res . 1971;79:133–40.

8.        Szentpétery A. Clinical utility of mandibular movement ranges. . J Orofac Pain. 1991;7:163–8.

9.        de Wijer A LSASMBF. Reliability of clinical findings in temporomandibular disorders. J Orofac Pain. 1995;9:181–91.

10.      Davoudi A, Haghighat A, Rybalov O, Shadmehr E, Hatami A. Investigating activity of masticatory muscles in patients with hypermobile temporomandibular joints by using EMG. J Clin Exp Dent. 2015;7(2):e310–5.

11.      BEIGHTON, P HORAN F. Orthopaedic aspects of the Ehlers-Danlos syndrome. J Bone Jt Surg. 1969;

12.      Tocaciu S, McCullough MJ, Dimitroulis G. Surgical management of recurrent TMJ dislocation—a systematic review. Oral Maxillofac Surg. 2019 Mar 6;23(1):35–45.

13.      Smith TO, Bacon H, Jerman E, Easton V, Armon K, Poland F, et al. Physiotherapy and occupational therapy interventions for people with benign joint hypermobility syndrome: A systematic review of clinical trials. Vol. 36, Disability and Rehabilitation. Informa Healthcare; 2014. p. 797–803.
 
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Samilla Pontes Braga

 
  • Graduação em Odontologia – Universidade Federal do Ceará (Campus Sobral);
  • Mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde – Universidade Federal do Ceará (Campus Sobral);
  • Residência em Odontologia Hospitalar com ênfase em Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial – Hospital das Clínicas da Faculdade de medicina da USP;
  • Aluna de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Ciências Odontológicas Aplicadas na Área de Reabilitação Oral – Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da Universidade de São Paulo (USP).

    Email: samillabraga@usp.br

    Instagram: @samillabraga