Caderno SBDOF

Caderno 15 - Emprego das Imagens de Ultrassom nas DTM Articulares

Autor: Ricardo de Souza Tesch

Nas últimas duas décadas, houve um aumento exponencial na literatura disponível sobre   as   aplicações   clínicas   do   ultrassom   (US)   na   odontologia,   seja   com   finalidade diagnóstica, terapêutica ou intervencionista (1). Embora exista o predomínio de estudos sobre o uso diagnóstico do US, sobretudo na última década foi possível observar o crescimento do interesse nessa ferramenta como guiagem para a realização de procedimentos intervencionistas, incluindo os realizados na articulação temporomandibular (ATM).

Quando empregado no diagnóstico das desordens temporomandibulares (DTM) articulares, as melhores evidências disponíveis avaliaram sua validade na identificação e acompanhamento de processos inflamatórios intra-articulares, associados ou não à artralgia temporomandibular (2). Um artigo relativamente recente, empregando a função power doppler    de aparelhos de US de alta frequência (18MHz), demonstrou aumento da vascularização sinovial em cerca de 15% das ATM de adultos com artralgia temporomandibular, associada ou não à doença degenerativa. Contudo, esses dados não puderam ser replicados, nem mesmo em pacientes com envolvimento inflamatório da ATM, comprovado por imagens de ressonância magnética (IRM), secundário ao diagnóstico de artrite idiopática juvenil (3). Assim  sendo, não há evidências que justifiquem o emprego dessa ferramenta específica no diagnóstico de processos inflamatórios da ATM.

Porém, um outro critério amplamente investigado, tanto em adultos quanto em crianças com artralgia temporomandibular ou assintomáticos, é a expansão da distância entre      a cápsula articular e o polo lateral da cabeça da mandíbula, avaliada em imagens de US em  modo B (escala de cinzas). Tal avaliação apresenta, como maior vantagem, a especificidade para identificar processos inflamatórios ativos de forma não invasiva e com baixo custo,  sendo, dessa forma, extremamente útil no monitoramento da atividade da doença e do cursode sua progressãonatural ou pós tratamento com diferentes modalidades terapêuticas (4).

Em adultos controles assintomáticos, a média dessa distância variou de 0.10 cm (5) a 0.14 cm (6) (Fig.1). Um aumento progressivo no risco de efusão articular, diagnosticada por IRM, foi demonstrado para valores superiores a 0.165 cm (7), podendo os níveis de validade desta medida chegar a uma especificidade e valor predicativo positivo de 100% quando a mesma ultrapassar 0.175 cm (8) (Fig.2). Pacientes com artralgia temporomandibular também apresentaram expansão da distância cabeça-cápsula, com valores médios próximos de 0.20 cm, significativamente mais altos que os presentes em ATM assintomáticas (em torno de 0.13 cm) (9) (Fig. 3). Dessa forma, parece ser possível estabelecer pontos de corte para o emprego do US como ferramenta de triagem e acompanhamento   de   casos   de   artralgia   temporomandibular   atribuídos   a processos inflamatórios intra-articulares (2).

Já no que diz respeito à guiagem por imagens para procedimentos intervencionistas que visam o controle de doenças reumatológicas e musculoesqueléticas, os resultados de uma recente pesquisa multidisciplinar, envolvendo profissionais de diferentes países, demonstraram que cerca de 80% desses profissionais realizam injeções em pequenas articulações e que, quando esses procedimentos são praticados, em aproximadamente80% dos casos isso ocorre de forma guiada por imagens (10). Há duas possíveis, e bastante distintas, abordagens para a guiagem por imagem de procedimentos intervencionistas em articulações de forma geral, incluindo as pequenas como a ATM. A primeira, empregada de maneira majoritária, é a guiagem por imagens em tempo real durante todo o procedimento (10). Alternativamente, o método indireto consite em empregar as imagens para a identificação adequada de marcos anatômicos e, em seguida, realizar o procedimento à cega(11). A eleição de um ou outro método pode variar de profissional para profissional ou, para um mesmo profissional, dependendo da localização anatômica e características da articulação a ser injetada.

Em condições normais, o espaço intra-articular da ATM é hermeticamente dividido nos compartimentos superior e inferior pelo disco articular e ligamentos retro-discais. Técnicas para injeção cega ou guiada por imagens já foram descritas para ambos os espaços articulares, com diferentes níveis de precisão (12). Em relação a esse último método, desde o início da década passada, é possível encontrar publicações de notas técnicas destinadas a descrever métodos para guiagem por US de injeções na ATM (13, 14). Contudo, uma análise detalhada dessas primeiras publicações mostra completa desconexão entre o relato da técnica, principalmente no que diz respeito à orientação espacial da sonda do aparelho de US, e as imagens fornecidas para ilustrá-la. A despeito de descreverem corretamente que a sonda idealmente deve ser orientada de forma perpendicular ao arco zigomático e paralela ao ramo mandibular, as imagens ilustrativas da técnica mostram uma orientação no sentido exatamente oposto, dificultando enormemente a compreensão e reprodução da técnica.

De maneira surpreendente, apenas recentemente, técnicas de injeções na ATM guiadas por imagens de US foram descritas e ilustradas de maneira adequada (15). A abordagem mais empregada é a mesma acima descrita, longitudinal e dentro do plano, ou seja, a punção e a inserção da agulha devem seguir a mesma orientação da sonda, estando a agulha durante todo o procedimento abaixo da sonda e perfeitamente alinhada com o feixe de emissão e captação das ondas de US (Fig. 4). Dessa forma, é possível visualizar todo o comprimento da agulha em tempo real e durante todo o procedimento (Fig.5). Tal alinhamento é, provavelmente,  o detalhe mais sensível da técnica e o que demandaa mais longa calibragem. Outro detalhe técnico muito importante e crucial para a adequada visualização da agulha durante todo o procedimento é sua angulação de penetração. Quanto maior a angulação da agulha em relação à pele do paciente, maior o risco das ondas de US serem refletidas para fora da área de captação da sonda, não formando, assim, imagem (Fig. 6). Em articulações mais profundas, uma alternativa seria aumentar a distância entre o ponto de entrada da agulha e o alvo da injeção, ou seja, o polo lateral da cabeça da mandíbula  ou o teto da fossa mandibular, para injeções no espaço articular inferior e superior, respectivamente. Dessa forma, é possível diminuir a angulação necessária para atingir a profundidade desejada.

Porém, quando a injeção é destinada ao espaço articular superior, o alvo do bisel da agulha, ou seja, o ponto mais superior e profundo da fossa mandibular, não pode ser diretamente visualizado, pois está na sombra ultra-sônica do osso temporal (Fig. 7). Já para injeções destinadas ao compartimento inferior da ATM, o alvo é o polo lateral do da cabeça da mandíbula, sempre possível de ser visualizada nas imagens de US por não haver nenhuma estrutura óssea cortical sobreposta à mesma. Isso torna essa última técnica, ao contrário do que ocorre nas injeções cegas nesse espaço articular, de fácil execução e alta precisão, quando realizadas após treinamento adequado.

Abaixo, segue uma descrição sucinta em 10 passos da técnica de injeção guiada por imagens de US em tempo real no compartimento inferior da ATM:

1.    Desinfecção local da pele ao redor da ATM e na área de punção;

2.    Bloqueio anestésico do nervo aurículo-temporal, de acordo com técnica previamente descrita (16);

3.  Localização da ATM na imagem de US de alta frequência (12 MHz ou maior), com US posicionado longitudinalmente, ou seja, perpendicular ao ramo mandibular e paralelo ao arco zigomático;

4.    Botão anestésico na área de punção (próximo da borda inferior da sonda do aparelho de US e em sua linha mediana);

5.    Punção da pele com agulha 21 G com 30 mm de comprimento;

6.   Penetração da agulha com angulação ideal máxima ≤30˚, até que o bisel da agulha possa ser visualizado na imagem de US;

7.    Aprofundamento da agulha, corrigindo sua angulação de forma guiada pelas imagens de US em tempo real, até que o bisel da mesma atinja e penetre na cápsula articular;

8.    Reposicionar o bisel da agulha até atingir a região mais superior e lateral da cabeça da mandíbula (Fig. 8);

9.    Aspirar, para verificar ausência de refluxo de sangue, e injetar a terapia. Neste momento, é possível visualizar a expansão da cápsula articular pela terapia injetada;

10.    Remoção da agulha e colocação de curativo temporário.
Referências

1. Elbarbary M, Sgro A, Khazaei S, Goldberg M, Tenenbaum HC, Azarpazhooh A. The applications of ultrasound, and ultrasonography in dentistry: a scoping review of the literature. Clin Oral Investigactions. 2022 Mar;26(3):2299-2316).

2. Maranini B, Ciancio G, Mandrioli S, Galiè M, Govoni M. The Role of Ultrasound in Temporomandibular Joint Disorders: An Update and Future Perspectives. Front Med (Lausanne). Jun 20;9:926573.

3. Zwir LF, Terreri MT, do Amaral E Castro A, Rodrigues WDR, Fernandes ARC. Is power Doppler ultrasound useful to evaluate temporomandibular joint inflammatory activity in juvenile idiopathic arthritis? Clin Rheumatol. 2020 Apr;39(4):1237-1240.

4. Patel K, Gerber B, Bailey K, Saeed NR. Juvenile idiopathic arthritis of the temporomandibular joint - no longer the forgotten joint. Br J Oral Maxillofac Surg. 2022 Apr; 60(3):247-256.

5. Thirunavukarasu AJ, Ferro A, Sardesai A, Biyani G, Dubb SS, Brassett C, Hamilton DL. Temporomandibular joint anatomy: Ultrasonographic appearances and sexual dimorphism. Clin Anat. 2021 Oct;34(7):1043-1049.

6. Elias FM, Birman EG, Matsuda CK, Oliveira IRS, Jorge WA. Ultrasonographic findings in normal temporomandibular joints. Braz Oral Res. 2006 Jan-Mar;20(1):25-32.

7. Bas B, Yılmaz N, Gökce E, Akan H. Ultrasound assessment of increased capsular width in temporomandibular joint internal derangements: relationship with joint pain and magnetic resonance grading of joint effusion. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2011 Jul;112(1):112-7.

8. Yılmaz D, Kamburoğlu K. Comparison of the effectiveness of high resolution ultrasound with MRI in patients with temporomandibular joint dısorders. Dentomaxillofac Radiol. 2019 Jul;48(5):20180349.

9. Kim JH , Park JH, Kim JK, Kim SJ. Can ultrasonography be used to assess capsular distention in the painful temporomandibular joint? BMC Oral Health. 2021 Oct 6;21(1):497.

10. Carubbi F, Bosch P, Machado PM, Scirè CA, Alunno A, Proft F, Baraliakos X, Dejaco C. Current Practice of Imaging-Guided Interventional Procedures in Rheumatic and Musculoskeletal Diseases: Results of a Multinational Multidisciplinary Survey. Front Med (Lausanne). 2021 Nov 22;8:779975.

11. Januzzi   E, Cunha TCA, Silva G, Souza    BDM, Duarte    ASB, Zanini MRS, Andrade AM, Pedrosa AR, Custódio ALN, Castro MAA. Viscosupplementation in the upper and lower compartments of the temporomandibular joint checked by ultrasonography in an ex vivo and in vivo study. Sci Rep. 2022 Oct 26;12(1):17976.

12. Cha YH, O J, Park JK, Yang HM, Kim SH. Ultrasound-guided versus blind temporomandibular joint injections: a pilot cadaveric evaluation. Int J Oral Maxillofac Surg. 2019 Apr;48(4):540-545.

13. Dayisoylu EH, Cifci E, Uckan S. Ultrasound-guided arthrocentesis of the temporomandibular joint. Technical Note. Br J Oral Maxillofac Surg. 2013 Oct;51(7):667-8.

14. Sivri MB, Ozkan Y, Pekiner FN, Gocmen G. Comparison of ultrasound-guided and conventional arthrocentesis of the temporomandibular joint. Br J Oral Maxillofac Surg. 2016 Jul;54(6):677-81.

15. Champs B, Corre P, Hamel A, Laffite CD, Le Goff B. US-guided temporomandibular joint injection: validation of an in-plane longitudinal approach. J Stomatol Oral Maxillofac Surg 2019 Feb;120(1):67-70.

16. Donlon WC, Truta MP, Eversole LR. A modified auriculotemporal nerve block for regional anesthesia of the temporomandibular joint. J Oral Maxillofac Surg. 1984 Aug;42(8):544-5.
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Fig.1  Distância cabeça da mandíbula-cápsula normal (0.12 cm) em ATM assintomática.
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Fig.2 Distância cabeça da mandíbula-cápsula aumentada (0.18 cm) em ATM com efusão.
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Fig.3 Distância cabeça da mandíbula-cápsula aumentada (0.22 cm) em artralgia temporomandibular.
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Fig.4 Alinhamento da agulha com o feixe de emissão e captação da sonda do US.
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Fig.5 Visualização de todo o comprimento da agulha durante todo o procedimento.
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Fig.6 Angulação ideal (≤30˚) para visualização da agulha na imagem de US.
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Fig.7 Injeção guiada por US no compartimento superior da ATM.
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Fig.8 Reposicionamento da agulha até atingir o polo superior e lateral da cabeça da mandíbula.
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Ricardo de Souza Tesch

  • Graduado em Odontologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
  • Mestre em Medicina com área de concentração em Cirurgia de Cabeça e Pescoço pelo Hospital Heliópolis, São Paulo, SP 
  • Doutor em Clínica Médica com área de concentração em Neurologia pela UFRJ
  • Professor Titular da Faculdade de Medicina de Petrópolis

Email: ricardotesch@prof.unifase.edu.br 
Instagram: @ricardosouzatesch