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Psychophysical evaluation of somatosensory function in oro-facial pain: achievements and challenges

Resenha escrita por: Bruna Motta Minusculi

A literatura é vasta sobre as dificuldades na avaliação de pacientes com dor orofacial. O diagnóstico é complexo devido a particularidades únicas do sistema trigeminal, suas características neurobiológicas e psicológicas, e uma rede neuronal integrada entre os nervos cranianos e cervicais vizinhos, vasos sanguíneos e sistema nervoso autonômico, como destacam Costa et al. 

Dessa forma, uma avaliação criteriosa deve ser realizada, principalmente nos pacientes com dor orofacial crônica e não responsivos aos tratamentos convencionais. A avaliação somatossensorial por meio dos testes sensoriais qualitativos (QualST) e quantitativos (QST) é um método válido e que deve ser mais utilizado na clínica, pois pode auxiliar a entender os mecanismos fisiopatológicos envolvidos no processamento da dor. Alterações no sistema somatossensorial são observadas em diversas condições dolorosas crônicas como dor neuropática trigeminal pós-traumática (PTNP), disfunção temporomandibular (DTM) e fibromialgia.

A revisão tópica de Costa et al (2021) pesquisou estudos sobre a avaliação somatossensorial nas dores orofaciais nas bases de dados PubMed e Embase e teve como objetivo primário descrever os principais aspectos metodológicos para avaliação psicofísica do sistema somatossensorial orofacial no ambiente clínico, em particular os QualST.

O sistema somatossensorial é responsável por detectar e processar informações de diversas sensações como toque, pressão, vibração, dor, temperatura, posição e movimentação. Quando esse sistema sofre alterações, seu funcionamento pode influenciar o processamento da dor e, por isso, a importância da avaliação somatossensorial. 

Existem diversas formas de realizar essa avaliação, desde sofisticados testes neurofisiológicos aos mais simples, como os questionários. Ainda, temos as avaliações psicofísicas, que são um método acessível para avaliação da função somatossensorial. 

A avaliação psicofísica pode ser realizada de forma quantitativa pelos QST utilizando estímulos precisos e equipamentos sofisticados ou de forma qualitativa pelos QualST por meio de instrumentos simples. As principais diferenças entre eles são a precisão do estímulo externo, os custos dos equipamentos e o tempo de execução dos testes.

A bateria de QST proposta pela rede de pesquisa alemã em dor neuropática (DFNS) é composta de 13 parâmetros e avalia o limiar para detecção e o limiar doloroso para os estímulos térmicos e mecânicos. É realizada com equipamentos específicos e o tempo para sua realização é longo, o que impossibilita sua aplicação clínica.

Por outro lado, os testes QualST são realizados com instrumentos simples como cotonete, espátula e sonda exploratória, permitindo a avaliação dos estímulos de toque, frio e picada. Os estímulos são realizados na região afetada e em uma área controle (preferencialmente contralateral à área afetada). O indivíduo relatará sensibilidade normal, hipersensibilidade ou hiposensibilidade a cada estímulo aplicado. Sendo uma técnica simples, rápida e de baixo custo, possibilita a adesão do clínico. 

Porém, os autores ressaltam que o QualST não deve ser a única ferramenta para o diagnóstico, pois pode levar a erros de julgamento, tanto pelo examinador quanto pelo indivíduo, principalmente considerando o ganho de função.  Com o objetivo de minimizar vieses, os autores sugerem um guia verbal para esses testes. 

Os achados somatossensoriais ainda possuem baixo nível de acurácia para diferenciar dor nociceptiva, nociplástica e neuropática. A avaliação somatossensorial deve ser utilizada dentro do contexto amplo envolvido nos quadros de dor, em conjunto com as comorbidades associadas e aspectos psicossociais. 

Nas dores neuropáticas orofaciais, como a PTNP, alterações somatossensoriais estão presentes devido à lesão ou doença no sistema nervoso somatossensorial. Para diagnostica-la, deve-se identificar o histórico da lesão, a distribuição neuroanatômica plausível da dor e a presença de alteração somatossensorial na região dolorosa. Os QualST são indicados para avaliar perdas da função somatossensorial, pois a presença de ganhos pode estar presente em outras condições dolorosas como a pulpite ou a dor miofascial orofacial. Portanto, Costa et al 2021 destacam que a perda sensorial detectada pelo QualST na região neuroanatômica da dor pode ser suficiente para diagnóstico de provável dor neuropática orofacial. Entretanto, a detecção apenas de ganho de função deve ser interpretada com cautela.

Por outro lado, a dor nociceptiva surge a partir de um dano real ou ameaça em tecidos não neurais em função da ativação de nociceptores. Isso promove uma resposta do sistema somatossensorial, que é identificada pela hipersensibilidade a vários estímulos, também considerada um fator protetor do local afetado.

Já a dor nociplástica é um descritor para condições dolorosas em que não são observados eventos nociceptivos ou neuropáticos, mas a nocicepção está alterada e o quadro é geralmente crônico. Nessa condição, a facilitação da entrada de estímulos dolorosos é observada através da avaliação somatossensorial. 

Os autores evidenciam que a avaliação somatossensorial pode auxiliar no diagnóstico ao diminuir a heterogeneidade entre os indivíduos e, dessa forma, elucidar alguns mecanismos envolvidos no processamento da dor, possibilitando melhores escolhas terapêuticas. Os tratamentos propostos para dores orofaciais crônicas ainda possuem baixo a moderado nível de evidência. No entanto, tratamentos da dor baseados em mecanismos podem ser aplicados com base no conhecimento fisiopatológico, possibilitando estratégias terapêuticas mais assertivas. 

O tratamento da dor orofacial baseado no perfil somatossensorial ainda é recente e não possui evidências robustas até o momento. Porém, em casos de dor neuropática periférica, como, por exemplo, a PTNP, o uso da fenotipagem somatossensorial poderá ser um recurso auxiliar na escolha do tratamento. 

A avaliação psicofísica tem sido utilizada nas dores orofaciais para diferenciar os mecanismos envolvidos, sejam eles centrais ou periféricos, principalmente nas condições nociplásticas. Por exemplo, nos casos de dor miofascial orofacial, é possível detectar a presença de hipersensibilidade na pele que recobre o músculo envolvido. Porém, a sensibilidade aumentada pode ser gerada em conjunto com diversos mecanismos como a sensibilização central ou até mesmo outros mecanismos de inibição e facilitação descendente. Portanto, deve-se ter cautela ao analisar esses eventos para evitar erros e vieses.

A aplicabilidade da avaliação somatossensorial por meio dos QualST deve ser de conhecimento do clínico, pois, em conjunto com o histórico da dor, sua distribuição neuroanatômica e as comorbidades associadas, poderá fornecer uma visão ampliada dos mecanismos envolvidos e, dessa forma, propiciar escolhas terapêuticas mais assertivas. 

Os achados encontrados nessa revisão apontam que a avaliação somatossensorial da região orofacial ainda é incipiente, mas promissora. Mais estudos clínicos são necessários utilizando o perfil somatossensorial dentro das dores orofaciais. Todavia, é preciso aproximar essas avaliações da prática clínica, aprimorando os QualST ou simplificando os QST. 

Referência: 

Costa YM, Bonjardim LR, Conti PCR, Svensson P. Psychophysical evaluation of somatosensory function in oro-facial pain: achievements and challenges. J Oral Rehabil. 2021 Sep;48(9):1066-1076. doi: 10.1111/joor.13223. Epub 2021 Jul 27. PMID: 34213796.
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Bruna Motta Minusculi

  • Mestranda em Fisiologia Oral
  • Programa de Pós-Graduação em Odontologia
  • Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade de Campinas, Piracicaba- Brasil.
Email: brunamotta@gmail.com
Instagram: @dtm.bruna