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Comportamentos orais, má oclusão e cliques dolorosos em articulação temporomandibular: existe associação?

Resenha escrita por: ​Camila Maria Bastos Machado de Resende

Volume IV Número XIII - Publicação realizada em 19/10/2021

Oral behaviors, bruxism, malocclusion and painful temporomandibular joint clicking: is there an association?

Poluha RL, Canales GCT, Bonjardim LR, Conti PCR. Oral behaviors, bruxism, malocclusion and painful temporomandibular joint clicking: is there an association?  Braz. Oral Res. 2021;35:e090. doi: 10.1590/1807-3107bor-2021.vol35.0090.

Os sons ou ruídos articulares são sinais comuns no consultório do especialista em disfunção temporomandibular (DTM). Os desarranjos internos articulares e as desordens inflamatórias são os principais diagnósticos relacionados à articulação temporomandibular (ATM). Destacam-se os deslocamentos de disco com redução (DDCR) como um dos desarranjos internos da ATM mais prevalentes na população. Mas o que vem a ser um DDCR? Os DDCR são caracterizados pelo incorreto posicionamento do disco articular em relação à cabeça da mandíbula em boca fechada, mas com a recaptura ou redução do mesmo durante os movimentos mandibulares, sejam abertura, lateralidades ou protrusão, com produção de um som semelhante a um clique ou estalo (Leeuw et al., 2018).

O artigo “Oral behaviors, bruxism, malocclusion and painful temporomandibular joint clicking: is there an association?” que tem como tradução livre do título “Comportamentos orais, bruxismo, má oclusão e clique articular doloroso: existe associação?” é produto do grupo de pesquisa do Bauru Orofacial Pain Group coordenado pelo professor Paulo Conti. Como autor principal, destaca-se o professor doutor Rodrigo Lorenzi Poluha que tem se aprofundado bastante na temática dos deslocamentos de disco, área na qual vem produzindo ativamente. 

Os autores desenvolveram um estudo seccional do tipo caso controle com o objetivo de determinar se existia associação entre determinados comportamentos orais, bruxismo do sono (BS) e em vigília (BV), presença de má oclusão e clique doloroso articular. E agora? O que seria esse clique doloroso articular? Seria a presença do diagnóstico de DDCR associado ao de artralgia, sendo que esta última consiste, resumidamente, em uma dor de origem articular desencadeada ou exacerbada durante a função mandibular, por exemplo, durante a mastigação, fala, ampla abertura de boca, etc (Leeuw et al., 2018).

Foram mencionados alguns fatores para essa associação de diagnósticos como a da presença do DDCR aumentar o risco relativo para o desenvolvimento de uma artralgia. Como fator etiológico parcial, é descrito o biomecânico, onde forças aplicadas sobre à articulação excederiam a capacidade adaptativa do indivíduo, gerando uma maior compressão sobre o disco articular, que seria “espremido” sobre a cabeça da mandíbula e, como resultado, sofreria deslocamento, acarretando compressão dos tecidos retrodiscais com sensibilização e produção de mediadores inflamatórios. 

A amostra do estudo foi composta por 90 pacientes, que foram divididos igualmente em 3 grupos: clique doloroso (DDCR e artralgia), clique sem dor (apenas DDCR) e grupo controle (assintomáticos). Foram excluídos os indivíduos que apresentavam outras condições dolorosas. A pesquisa seguiu todos os critérios éticos para pesquisa com seres humanos. 

    Os comportamentos orais foram avaliados de acordo com a escala de respostas do Questionário de Comportamentos Orais que compõe o Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (DC/TMD): mastigação unilateral, roer unhas, mascar chicletes, segurar objetos entre os dentes, apoiar a mandíbula sobre a mão e dormir em uma posição que pressione a mandíbula. O BS e o BV foram classificados de acordo com a definição de “possível bruxismo” (relato e exame físico positivos) em uma escala com 5 opções de resposta para a frequência. Para o BV, a frequência também foi verificada durante 10 dias de Avaliação Momentânea Ecológica. Este é um método onde os dados são coletados em tempo real com o indivíduo em seu próprio ambiente, o que proporciona resultados mais fidedignos. Para tal, foi utilizado o aplicativo “Desencoste seus dentesR”. Quanto a má oclusão, foram conduzidos exames clínicos (mastigação unilateral, mordida aberta anterior, mordida cruzada posterior, overjet, overbite, guias, interferência em trabalho e balanceio, diferença entre MIH e RC e ausência de dentes posteriores). 

Ao se comparar os três grupos estudados, verificou-se uma associação significativa (p<0,05) entre os indivíduos que apresentavam clique doloroso com os comportamentos orais de apoiar a mandíbula sobre a mão, dormir em uma posição que pressione a mandíbula, mascar chicletes, roer unhas, segurar objetos entre os dentes e BV, com todos os valores mais elevados. O grupo clique sem dor só apresentou associação significativa (p<0,05) quanto a mascar chicletes, roer unhas e BV, quando comparado ao grupo controle. Quanto à frequência de BV pelo método ecológico, foram encontradas maiores frequências no grupo com clique doloroso e diferença significativa entre as respostas entre o grupo clique doloroso (37,43± 33,75) e grupo controle (5,17±6,05).

Os autores concluem que, dentro das limitações do estudo, os pacientes com clique doloroso apresentam maior frequência e associação significativa com alguns comportamentos orais prejudiciais e com BV. BS e má oclusão não foram relacionados com a presença de clique doloroso.

A associação encontrada entre os comportamentos orais e o clique doloroso suportam a hipótese que as atividades que geram forças compressivas sobre a ATM podem funcionar como fator de risco para desarranjos internos articulares pelo aumento da pressão intra-articular. E ainda deve-se considerar que essa pressão pode resultar em alterações na composição e volume do líquido sinovial, promovendo produção de mediadores inflamatórios.

O fato de mascar chicletes (42,2%), roer unhas (40%) e possuir provável BV (37,8%) ter sido associado aos dois grupos com clique deve-se ao fato desses serem os comportamentos mais prevalentes na amostra e, ainda, pela frequência em que ocorrem. A sobrecarga mastigatória constante e o hábito persistente que pode seguir até a vida adulta acarretam compressão e todo o processo já comentado anteriormente. Desta forma, essas condições atuam como potenciais fatores de risco para os DDCR sem dor inicialmente, mas com aumento do risco para que se tornem dolorosos.

Os achados do trabalho foram bem interessantes e trazem aplicações clínicas importantes. Os profissionais devem ficar atentos ao avaliar os hábitos orais e detectar o BV de seus pacientes, principalmente nos já diagnosticados com clique doloroso. Fica o alerta para os profissionais que não avaliavam esses fatores que comecem esse tipo de avaliação, assim como a continuidade dessa conduta por aqueles que já o faziam. De acordo com a presença dessas condições, deve-se inserir, dentre as estratégias terapêuticas, a abordagem destas situações como parte do controle do paciente. Extrapolando os resultados do estudo, pode-se pensar: quem sabe é possível evitar o surgimento do clique doloroso? Mudança de hábitos não é fácil, mas, a partir de explicações e orientações claras, o paciente tem maior chance de adesão. 

A partir deste trabalho, que apresenta uma metodologia bem delineada, tem-se mais uma pesquisa evidenciando a falta de associação entre os fatores oclusais e a presença de DTM. Já DTM articular dolorosa do tipo DDCR foi associada aos fatores comportamentais e à presença de BV apresentando ainda maiores frequências. Evidenciam-se os fatores comportamentais e o bruxismo como importantes itens a serem analisados e levados em consideração na elaboração de estratégias terapêuticas na condução do tratamento dos pacientes.

Referências:
  • Leeuw R, Klasser G, editors. Orofacial pain: guidelines for assessment, diagnosis, and management. 6th ed. Chicago: Quintessence; 2018.
  • Poluha RL, Canales GCT, Bonjardim LR, Conti PCR. Oral behaviors, bruxism, malocclusion and painful temporomandibular joint clicking: is there an association?  Braz. Oral Res. 2021;35:e090. https://doi.org/10.1590/1807-3107bor-2021.vol35.0090.
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​Camila Maria Bastos Machado de Resende

Doutora em Ciências Odontológicas e Mestre em Odontologia - UFRN, Especialista em DTM/DOF – Bauru Orofacial Pain Group e em Prótese Dentária – ABO-CE. Professora de graduação do Instituto de Ensino Superior de Brasília e de pós-graduação do Instituto Ária. cmbmachado@hotmail.com @dtmbruxismocamilaresende  @camilambmresende