Entrevista

Elen Tolentino

Neste capítulo do Entrevista SBDOF, tivemos o prazer e oportunidade de entrevistar a Elen Tolentino.

Em nome da Sociedade Brasileira de Dor Orofacial (SBDOF), agradecemos sua gentileza e disponibilidade por compartilhar conosco seu conhecimento e experiência.

O que é a Síndrome da Ardência Bucal (SAB) e quais são suas principais características?

A SAB é uma condição de dor crônica intraoral definida pela Classificação Internacional de Dor Orofacial (ICOP) como uma sensação de queimação ou disestesia recorrente diária, sentida por mais de duas horas por dia, por mais de três meses, sendo que no exame físico não há lesões evidentes que justifiquem os sintomas. A localização mais comum é na língua, especialmente nos dois terços anteriores (principalmente na ponta), sendo que outras áreas podem ser afetadas, como palato duro, gengiva e mucosa labial, estando estas com aparência normal. Geralmente a dor relatada é bilateral. Aproximadamente dois terços dos pacientes se queixam de outras condições subjetivas, como a xerostomia (sensação subjetiva de boca seca) e a disgeusia (alteração na percepção do paladar, especialmente o gosto amargo, metálico ou desagradável). Aparentemente, os sintomas têm relação com o ritmo circadiano, com a média de dor se tornando mais intensa ao entardecer/anoitecer.

Quais são as possíveis causas e fatores de risco associados à Síndrome da Ardência Bucal? 

A SAB é classificada pelo ICOP como uma Dor Orofacial Idiopática e, portanto, de etiologia desconhecida. A prevalência parece ser maior entre indivíduos acima de 50 anos, predominantemente mulheres na peri- e pós-menopausa. Embora seja evidente a relação com fatores psicológicos, é improvável que exista uma relação causal estrita e específica para essa condição. Na maioria dos casos, a presença de um transtorno psiquiátrico e/ou psicológico pode ser considerada uma consequência ou uma condição comórbida, e não a causa da dor na SAB. A literatura aponta que, quando comparados com controles saudáveis, os pacientes com SAB apresentaram experiências adversas no início da vida, depressão, ansiedade, cancerofobia, problemas gastrointestinais, distúrbios do sono e fadiga crônica significativamente maiores.

Na sua visão como Estomatologista, que condições devem ser consideradas durante o diagnóstico diferencial da SAB?

Devem ser excluídas todas as causas locais e sistêmicas que podem acarretar ardência bucal, como: candidoses orais, traumas mecânicos, térmicos e/ou químicos, xerostomia e hipossalivação, reações de hipersensibilidade, doenças autoimunes e imunologicamente mediadas (por exemplo, líquen plano erosivo e Síndrome de Sjögren), deficiências nutricionais e vitamínicas (deficiências de ferro, ferritina, vitamina B12, ácido fólico, zinco), refluxo gastroesofágico e reações adversas de alguns medicamentos.

4. Como é feito o diagnóstico da Síndrome da Ardência Bucal? Existem exames específicos que podem ser realizados?

O diagnóstico da SAB é predominantemente clínico e estabelecido por exclusão, uma vez que não há exames complementares específicos para confirmação da condição. A anamnese é essencial e todos os sintomas devem ser considerados e valorizados, uma vez que, não raramente, os pacientes afetados já foram submetidos a experiências anteriores nos quais foram descredibilizados, resultando em frustração. Exames laboratoriais podem ser realizados para excluir alguma outra condição relacionada com ardência bucal, como avitaminoses, por exemplo. A biópsia não é contributiva.

Quais são as opções de tratamento disponíveis para pacientes com SAB? Para tal, sugere-se uma equipe multidisciplinar?

Sem dúvidas, a abordagem multidisciplinar é essencial no manejo da SAB. O tratamento visa controlar os sintomas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes e, de forma geral, não há consenso sobre a melhor opção terapêutica. Dentre as alternativas, estão as terapias farmacológicas sistêmicas e tópicas. Nas terapias tópicas, destaca-se o clonazepam tópico, considerado a primeira linha de tratamento nos EUA. Dentre as formas de administração, é mais comumente reportada a manutenção do comprimido de 1mg na boca por 3 minutos sem engolir, três vezes ao dia por duas ou três semanas, com menos efeitos colaterais do que o uso sistêmico. O uso tópico da capsaicina, composto encontrado nas pimentas, também é relatado, já que ela é capaz de dessensibilizar nervos periféricos. Tratamentos tópicos a base de Aloe vera, camomila, catuama, lactoperoxidase (enxaguante bucal com biotina) e lidocaína já foram investigados, mas sem resultados consistentes. Quanto às terapias medicamentosas sistêmicas, o ácido alfa-lipóico - composto orgânico com propriedades neuroprotetoras e que age como um poderoso antioxidante - ganhou muita atenção nos últimos anos, embora os resultados ainda sejam conflitantes. Uma revisão sistemática e metanálise conduzida em 2023* demonstrou que, dentre todos os tratamentos testados, apenas o clonazepam via oral (doses de 0,5 a 6 mg/dia) é capaz de reduzir a dor da SAB quando comparado ao placebo. A maioria dos demais tratamentos, incluindo a pregabalina, apresentou certeza muito baixa. Antidepressivos como paroxetina, sertralina, duloxetina, vortioxetina, escitalopram também foram incluídos, com efeitos colaterais como ganho de peso, sonolência, tontura, náusea e disfunção sexual. A gabapentina, um anticonvulsivante comumente usado para dor neuropática, também é relatada. A terapia cognitivo-comportamental deve ser considerada, com impacto na qualidade de vida quando associada a outros tratamentos. 

*Alvarenga-Brant R, Costa FO, Mattos-Pereira G, Esteves-Lima RP, Belem FV, Lai H, et al. Treatments for Burning Mouth Syndrome: A Network Meta-analysis. J Dent Res. 2023;2:135-45.

Como você vê o papel da Fotobiomodulação no manejo da SAB?

Como promove analgesia e modulação da inflamação e por ser um tratamento não invasivo e sem efeitos colaterais, tem sido cada vez mais utilizada no tratamento da SAB. As limitações são inerentes à ausência de protocolos padronizados, já que os estudos são bastante heterogêneos, devido aos diferentes equipamentos e parâmetros utilizados.  Por exemplo, a literatura ainda não alcançou um consenso sobre quais comprimentos de onda—se do espectro da luz visível (vermelho) ou do infravermelho próximo—são mais eficazes na redução dos sintomas. Ainda assim, a laserterapia é uma das opções de tratamento que utilizo com mais frequência nesses pacientes. Embora os resultados variem, muitos deles relatam uma melhora significativa nos sintomas. No entanto, é importante ressaltar que, em média, são necessárias cerca de 10 sessões para alcançar esses resultados.

Que orientações gerais poderiam ser dadas aos pacientes para reduzir o desconforto associado à SAB?

A consulta do paciente com SAB costuma (e deve) ser longa e de muito diálogo. Costumo explicar aos meus pacientes que o estabelecimento do diagnóstico é um grande avanço, especialmente considerando que muitos já enfrentaram a ansiedade, a frustração e o medo -particularmente a cancerofobia - após passar por diversos profissionais, exames e procedimentos sem obter respostas. Ressalto a importância da adesão e da confiança no tratamento, que pode ser desafiador e trazer resultados que variam em relação ao esperado. O otimismo é fundamental, mas é importante evitar expectativas excessivas. Além disso, a relevância de uma abordagem multiprofissional deve ser destacada, frequentemente envolvendo a colaboração de psiquiatras e psicólogos. Essas orientações são fundamentais para que o paciente confie e se comprometa com o tratamento, uma vez que, como é bem conhecido, fatores emocionais estão intimamente ligados à condição.

 
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Elen Tolentino

-Graduada em Odontologia - UEM
-Mestrado e Doutorado em Estomatologia- FOB/USP
-Pós-doutorado - FOB/USP
-Especialista em Estomatologia
-Especialista em Radiologia Odontólogica e Imaginologia 
-Habilitação em Laserterapia- LELO/USP
-Capacitação em Pacientes Oncológicos pelo Hospital Sírio Libanês 
-Professora do Curso de Odontologia da UEM
-Coordenadora dos Cursos de Especialização em Estomatologia e Especialização em Radiologia em Maringá/PR
-Coordenadora do Curso de Habilitação em Laserterapia- Maringá/PR
-Estomatologista clínica no Instituto de Diagnóstico Bucal - Diagnosis (Maringá/PR)
-Idealizadora do Instagram @estomatolovers